Berna, 5 de maio 1946
Minha querida:
Como não tenho o que escrever, mando-lhe apenas as “minhas saudações”. Somente que estas não são apenas cordiais; são tão cordiais que isso me empurra para a máquina, em nome do amor. Tudo aqui está bem. Estamos procurando casa e ainda não achamos. O hotel é muito bom mas é caro demais e cansa. Dizem pessoas entendidas no prazer de morar que este hotel é dos melhores, digamos, do mundo (isso é para me impressionar, falar em mundo inteiro sempre impressiona). Mas porque afinal eu hei de observar minha natureza como se ela fosse um pecado? Por que não ver com franqueza e sem recriminações que eu tenho a pior espécie de snobismo, que é o de não ter prazer nas “coisas do mundo”? estou rindo. Na verdade eu tenho um temperamento pobre. Acontece que os dois gramas de força íntima que eu tenho eu gasto no meu trabalho e no meu desejo de trabalho – e não resta para mais nada. E já notei, que se eu não trabalho então, esses dois gramas eu também não sei dar. Não é engraçado? Eu que posso ser tão ativa quando se trata de alguma coisa que eu quero realmente, como viajar para ver vocês mesmo num avião desconfortável e solitário e tudo o mais, não tenho o menor interesse em desarrumar as malas que chegaram da Itália, em tomar um partido mais intenso no fato da procura de casa… Querida, não pense que se Marcia tivesse vocação para trabalhar em alguma coisa de arte ela sofreria. Quando uma pessoa é viva em todos os sentidos, isso não acontece. Por falar nisso, querida, eu não tenho o direito de aconselhar ou pedir, mas acho que você deveria deixar Marcinha se expandir em todos os terrenos. Não é necessário que ela faça de um desses “terrenos” uma “profissão” – mas expandir-se é a própria alegria de viver. Não se pode fechar o coração de uma florzinha e obrigá-la a se abrir somente em determinada época e em determinado sentido. Estou parecendo doutoral… E William? Perdi o endereço dele nos Estados Unidos. Quando é que ele volta? Que notícias há dele? Tomara que ele esteja logo aí. Escreva-me, querida. Eu aprendi uma sensação nessa minha vida fora: às vezes eu me sinto como se fosse receber carta… Naturalmente não há tempo para a carta ter vindo. Mas não custa nada esperar… Com o esforço de esperar através do mundo inteiro a carta que não vem, parece que eu afinal me ponho em contato com vocês através da distância. Muitos pensamentos meus são assim: que é que você acha, Tania? O que é que você pensaria, Elisa? Você esse passarinho, Marcia! Tania querida pequena, veja bem o programa de aviões e dê notícias. Deus te abençoe. Receba um abraço da
Clarice
Tania, o amigo de William só entregou dois livros. Você mandou dez, não foi? Eu preciso deles. Mas não mande pelo correio que sairia uma fortuna. Se você puder, telefone ou vá ao Ministério, procurando a senhorita Castro Menezes, diga que é minha irmã e pergunte se ela não pode conseguir mandar pela mala dipl. para Berna um livro meu ao menos. Ela é muito gentil. Diga que eu mando lembranças e que o pedido é meu. Diga que eu estive em Berna com o sr. Aldo Castro Menezes e sra., e que eles estão muito bem. E que eu ofereço o que ela precisar da Suíça.
Querida, faça isso sem falta, viu?
Tania, tem saído alguma crítica?