Nota para títulos de A hora de estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação circulada, à esquerda).
“Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o que, mas sei que o universo jamais começou.”
Nota usada no 1º parágrafo de A hora da estrela. A caligrafia é de Olga Borelli.
“Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos — sou eu que escrevo o que estou escrevendo. Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior e inexplicável. A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique. Meu coração se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao próprio último ou primeiro pulsar. A dor de dentes que perpassa esta história deu uma fisgada funda em plena boca nossa. Então eu canto alto agudo uma melodia sincopada e estridente — é a minha própria dor, eu que carrego o mundo e há falta de felicidade. Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.”
Nota usada no 3º parágrafo de A hora da estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação entre parênteses, à esquerda).
Nota usada no 3º parágrafo de A hora da estrela – “Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos — sou eu que escrevo o que estou escrevendo. Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior e inexplicável. A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique. Meu coração se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao próprio último ou primeiro pulsar. A dor de dentes que perpassa esta história deu uma fisgada funda em plena boca nossa. Então eu canto alto agudo uma melodia sincopada e estridente — é a minha própria dor, eu que carrego o mundo e há falta de felicidade. Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.” As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação entre parênteses, ao alto, à esquerda).
“Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos — sou eu que escrevo o que estou escrevendo. Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior e inexplicável. A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique. Meu coração se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao próprio último ou primeiro pulsar. A dor de dentes que perpassa esta história deu uma fisgada funda em plena boca nossa. Então eu canto alto agudo uma melodia sincopada e estridente — é a minha própria dor, eu que carrego o mundo e há falta de felicidade. Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.”
Nota usada no 3º parágrafo de A hora da estrela. A caligrafia é de Clarice.
“Com esta história eu vou me sensibilizar, e bem sei que cada dia é um dia roubado da morte. Eu não sou um intelectual, escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa úmida. As palavras são sons transfundidos de sombras que se entrecruzam desiguais, estalactites, renda, música transfigurada de órgão. Mal ouso clamar palavras a essa rede vibrante e rica, mórbida e obscura tendo como contratom o baixo grosso da dor. Alegro com brio. Tentarei tirar ouro do carvão. Sei que estou adiando a história e que brinco de bola sem a bola. O fato é um ato? Juro que este livro é feito sem palavras. É uma fotografia muda. Este livro é um silêncio. Este livro é uma pergunta.”
Nota usada no 21º parágrafo de A hora da estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação circulada, à esquerda).
HEs05-003
“Com esta história eu vou me sensibilizar, e bem sei que cada dia é um dia roubado da morte. Eu não sou um intelectual, escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa úmida. As palavras são sons transfundidos de sombras que se entrecruzam desiguais, estalactites, renda, música transfigurada de órgão. Mal ouso clamar palavras a essa rede vibrante e rica, mórbida e obscura tendo como contratom o baixo grosso da dor. Alegro com brio. Tentarei tirar ouro do carvão. Sei que estou adiando a história e que brinco de bola sem a bola. O fato é um ato? Juro que este livro é feito sem palavras. É uma fotografia muda. Este livro é um silêncio. Este livro é uma pergunta.”
Nota usada no 21º parágrafo de A hora da estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação entre parênteses, à esquerda, e anotação ao lado).
“Com esta história eu vou me sensibilizar, e bem sei que cada dia é um dia roubado da morte. Eu não sou um intelectual, escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa úmida. As palavras são sons transfundidos de sombras que se entrecruzam desiguais, estalactites, renda, música transfigurada de órgão. Mal ouso clamar palavras a essa rede vibrante e rica, mórbida e obscura tendo como contratom o baixo grosso da dor. Alegro com brio. Tentarei tirar ouro do carvão. Sei que estou adiando a história e que brinco de bola sem a bola. O fato é um ato? Juro que este livro é feito sem palavras. É uma fotografia muda. Este livro é um silêncio. Este livro é uma pergunta.”
Nota usada no 21º parágrafo de A hora da estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação entre parênteses, à esquerda).
“Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.”
Nota usada no 40º parágrafo de A hora da estrela. A caligrafia é de Clarice.
“Depois de receber o aviso foi ao banheiro para ficar sozinha porque estava toda atordoada. Olhou-se maquinalmente ao espelho que encimava a pia imunda e rachada, cheia de cabelos, o que tanto combinava com sua vida. Pareceu-lhe que o espelho baço e escurecido não refletia imagem alguma. Sumira por acaso a sua existência física? Logo depois passou a ilusão e enxergou a cara toda deformada pelo espelho ordinário, o nariz tornado enorme como o de um palhaço de nariz de papelão. Olhou-se e levemente pensou: tão jovem e já com ferrugem.”
Nota usada no 58º parágrafo de A hora da estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação entre parênteses).
“A moça tinha ombros curvos como os de uma cerzideira. Aprendera em pequena a cerzir. Ela se realizaria muito mais se se desse ao delicado labor de restaurar fios, quem sabe se de seda. Ou de luxo: cetim bem brilhoso, um beijo de almas. Cerzideirinha mosquito. Carregar em costas de formiga um grão de açúcar. Ela era de leve como uma idiota, só que não o era. Não sabia que era infeliz. É porque ela acreditava. Em quê? Em vós, mas não é preciso acreditar em alguém ou em alguma coisa — basta acreditar. Isso lhe dava às vezes estado de graça. Nunca perdera a fé.”
Nota usada no 61º parágrafo de A hora da estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação entre parênteses, ao alto, à esquerda).
“A moça tinha ombros curvos como os de uma cerzideira. Aprendera em pequena a cerzir. Ela se realizaria muito mais se se desse ao delicado labor de restaurar fios, quem sabe se de seda. Ou de luxo: cetim bem brilhoso, um beijo de almas. Cerzideirinha mosquito. Carregar em costas de formiga um grão de açúcar. Ela era de leve como uma idiota, só que não o era. Não sabia que era infeliz. É porque ela acreditava. Em quê? Em vós, mas não é preciso acreditar em alguém ou em alguma coisa — basta acreditar. Isso lhe dava às vezes estado de graça. Nunca perdera a fé.”
Nota usada no 61º parágrafo de A hora da estrela. A caligrafia é de Olga Borelli.
“(Ela me incomoda tanto que fiquei oco. Estou oco desta moça. E ela tanto mais me incomoda quanto menos reclama. Estou com raiva. Uma cólera de derrubar copos e pratos e quebrar vidraças. Como me vingar? Ou melhor, como me compensar? Já sei: amando meu cão que tem mais comida do que a moça. Por que ela não reage? Cadê um pouco de fibra? Não, ela é doce e obediente.)”
Nota usada no 62º parágrafo de A hora da estrela. A caligrafia é de Olga Borelli.
“Domingo ela acordava mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada.”
Nota usada no 91º parágrafo de A hora da estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação circulada, ao alto, à esquerda).
“Todas as madrugadas ligava o rádio emprestado por uma colega de moradia, Maria da Penha, ligava bem baixinho para não acordar as outras, ligava invariavelmente para a Rádio Relógio, que dava ‘hora certa e cultura’, e nenhuma música, só pingava em som de gotas que caem — cada gota de minuto que passava. E sobretudo esse canal de rádio aproveitava intervalos entre as tais gotas de minuto para dar anúncios comerciais — ela adorava anúncios. Era rádio perfeita pois também entre os pingos do tempo dava curtos ensinamentos dos quais talvez algum dia viesse precisar saber. Foi assim que aprendeu que o Imperador Carlos Magno era na terra dele chamado Carolus. Verdade que nunca achara modo de aplicar essa informação. Mas nunca se sabe, quem espera sempre alcança. Ouvira também a informação de que o único animal que não cruza com filho era o cavalo.”
Nota usada no 102º parágrafo de A hora da estrela. A caligrafia é de Clarice.
“Pois não é que quis descansar as costas por um dia? Sabia que se falasse isso ao chefe ele não acreditaria que lhe doíam as costelas. Então valeu-se de uma mentira que convence mais que a verdadisse ao chefe que no dia seguinte não poderia trabalhar porque arrancar um dente era muito perigoso. E a mentira pegou. Às vezes só a mentira salva. Então, no dia seguinte, quando as quatro Marias cansadas foram trabalhar, ela teve pela primeira vez na vida uma coisa a mais preciosa: a solidão. Tinha um quarto só para ela. Mal acreditava que usufruía o espaço. E nem uma palavra era ouvida. Então dançou num ato de absoluta coragem, pois a tia não a entenderia. Dançava e rodopiava porque ao estar sozinha se tornava: l-i-v-r-e! Usufruía de tudo, da arduamente conseguida solidão, do rádio de pilha tocando o mais alto possível, da vastidão do quarto sem as Marias. Arrumou, como pedido de favor, um pouco de café solúvel com a dona dos quartos, e, ainda como favor, pediu-lhe água fervendo, tomou tudo se lambendo e diante do espelho para nada perder de si mesma. Encontrar-se consigo própria era um bem que ela até então não conhecia. Acho que nunca fui tão contente na vida, pensou. Não devia nada a ninguém e ninguém lhe devia nada. Até deu-se ao luxo de ter tédio — um tédio até muito distinto.”
Nota usada no 117º parágrafo de A hora da estrela. A caligrafia é de Clarice.
“Macabéa entendeu uma coisa: Glória era um estardalhaço de existir. E tudo devia ser porque Glória era gorda. A gordura sempre fora o ideal secreto de Macabéa, pois em Maceió ouvira um rapaz dizer para uma gorda que passava na rua: ‘a tua gordura é formosura!’ A partir de então ambicionara ter carnes e foi quando fez o único pedido de sua vida. Pediu que a tia lhe comprasse óleo de fígado de bacalhau. (Já então tinha tendência para anúncios.) A tia perguntara-lhe: você pensa lá que é filha de família querendo luxo?”
Nota usada no 315º parágrafo de A hora da estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação circulada, à esquerda).
“— Me desculpe eu perguntar: ser feia dói?
— Nunca pensei nisso, acho que dói um pouquinho. Mas eu lhe pergunto se você que é feia sente dor.
— Eu não sou feia!!! — gritou Glória.”
Nota usada no 320º, 321º e 322º parágrafos de A hora da estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação circulada, à esquerda).
“Glória, querendo compensar o roubo do namorado da outra, convidou-a para tomar lanche de tarde, domingo, na sua casa. Soprar depois de morder? (Ah que história banal, mal aguento escrevê-la.)”
Nota usada no 348º parágrafo de A hora da estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação entre parênteses, à esquerda).
HEs05-006
“Quanto a mim, só sou verdadeiro quando estou sozinho. Quando eu era pequeno pensava que de um momento para outro eu cairia para fora do mundo. Por que as nuvens não caem, já que tudo cai? É que a gravidade é menor que a força do ar que as levanta. Inteligente, não é? Sim, mas caem um dia em chuva. É a minha vingança.”
Nota usada no 382º parágrafo de A hora da estrela. A caligrafia é de Clarice.
“Num súbito ímpeto (explosão) de vivo impulso Macabéa, entre feroz e desajeitada, deu um estalado beijo no rosto da madama. E sentiu de novo que sua vida já estava melhorando ali mesmo: pois era bom beijar. Quando ela era pequena, como não tinha a quem beijar, beijava a parede. Ao acariciar ela se acariciava a si própria.”
Nota usada no 447º parágrafo de A hora da estrela. A caligrafia é de Olga Borelli.
“Via-se perfeitamente que estava viva pelo piscar constante dos olhos grandes, pelo peito magro que se levantava e abaixava em respiração talvez difícil. Mas quem sabe se ela não estaria precisando de morrer? Pois há momentos em que a pessoa está precisando de uma pequena mortezinha e sem nem ao menos saber. Quanto a mim, substituo o ato da morte por um seu símbolo. Símbolo este que pode se resumir num profundo beijo mas não na parede áspera e sim boca-a-boca na agonia do prazer que é morte. Eu, que simbolicamente morro várias vezes só para experimentar a ressurreição.”
Nota usada no 470º parágrafo de A hora da estrela. A caligrafia é de Clarice.
“Então — ali deitada — teve uma úmida felicidade suprema, pois ela nascera para o abraço da morte. A morte que é nesta história o meu personagem predileto. Iria ela dar adeus a si mesma? Acho que ela não vai morrer porque tem tanta vontade de viver. E havia certa sensualidade no modo como se encolhera. Ou é porque a pré-morte se parece com a intensa ânsia sensual? É que o rosto dela lembrava um esgar de desejo. As coisas são sempre vésperas e se ela não morre agora está como nós na véspera de morrer, perdoai-me lembrar-vos porque quanto a mim não me perdoo a clarividência.”
Nota usada no 474º parágrafo de A hora da estrela. A caligrafia é de Clarice.
“Até tu, Brutus?! Sim, foi este o modo como eu quis anunciar que — que Macabéa morreu. Vencera o Príncipe das Trevas. Enfim a coroação.”
Nota usada no 481º e 482º parágrafos de A hora da estrela. A caligrafia é de Olga Borelli.
HEs05-020
“Qual foi a verdade de minha Maca? Basta descobrir a verdade que ela logo já não é mais: passou o momento. Pergunto: o que é? Resposta: não é.”
Nota usada no 483º parágrafo de A hora da estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação entre parênteses, ao alto, e anotação embaixo, à esquerda).
“Mas que não se lamentem os mortos: eles sabem o que fazem. Eu estive na terra dos mortos e depois do terror tão negro ressurgi em perdão. Sou inocente! Não me consumam! Não sou vendável! Ai de mim, todo na perdição e é como se a grande culpa fosse minha. Quero que me lavem as mãos e os pés e depois — depois que os untem com óleos santos de tanto perfume. Ah que vontade de alegria. Estou agora me esforçando para rir em grande gargalhada. Mas não sei por que não rio. A morte é um encontro consigo. Deitada, morta, era tão grande como um cavalo morto. O melhor negócio é ainda o seguinte: não morrer, pois morrer é insuficiente, não me completa, eu que tanto preciso.”
Nota usada no 484º parágrafo de A hora da estrela. A caligrafia é de Olga Borelli.
“Morta, os sinos badalavam mas sem que seus bronzes lhes dessem som. Agora entendo esta história. Ela é a iminência que há nos sinos que quase-quase badalam.”
Nota usada no 488º parágrafo de A hora da estrela. As caligrafias são de Clarice e de Olga Borelli (observação entre parênteses, ao alto, à esquerda).
“E agora — agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas — mas eu também?! Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.”
Nota usada no 495º e 496º parágrafos de A hora da estrela. A caligrafia é de Clarice.
Inspirações ou notas?
Em 2004, chegaram ao Instituto Moreira Salles (IMS) os manuscritos do romance A hora da estrela, de Clarice Lispector, documentos importantes não apenas pela raridade, mas também por registrarem a maneira como Clarice trabalhava seus textos. Desde as primeiras obras, a escritora adotara o método da anotação imediata. Assim, segundo Nádia Battella Gotlib, sua biógrafa, “passa a carregar um caderninho, onde vai fazendo as suas anotações. São as notas, soltas, que, em grande quantidade, e referentes ao mesmo assunto, constituirão já o seu romance (…)
Com o tempo, as anotações seriam feitas em qualquer tipo de papel, facilmente à mão, e até por outra pessoa, a quem Clarice solicitava ajuda, quando impossibilitada de escrever. Olga Borelli conta que, às vezes, durante uma sessão de cinema, anotava para a escritora uma ideia ou frase. Diz ainda que Clarice, em meio a afazeres domésticos, subitamente pedia à empregada que lhe fizesse anotações. Por isso, vemos notas de A hora da estrela. em fragmentos de papel, folhas de cheque e envelopes. Além dessa diversidade de suportes, observamos ainda, na maioria dos documentos aqui reproduzidos, a caligrafia de Olga, que ajudou Clarice a organizar e datilografar os manuscritos de A hora da estrela..
Em entrevistas, Clarice costumava explicar como se dava seu processo de escrita, basicamente em duas etapas:
Quando eu estou escrevendo alguma coisa, eu anoto a qualquer hora do dia ou da noite, coisas que me vêm. O que se chama inspiração, né? Agora, quando eu estou no ato de concatenar as inspirações, aí eu sou obrigada a trabalhar diariamente.
Na fase inicial da escrita, portanto, Clarice anotava “inspirações”, isto é, ideias e frases que lhe vinham prontas. Quando chegava a um volume de material satisfatório, a escritora partia para a segunda etapa de criação – concatenava as “inspirações”. Se a primeira fase poderia demorar meses ou anos, o momento seguinte era de trabalho ininterrupto. Assim, os manuscritos de A hora da estrela. depositados no IMS refletem as etapas da criação clariciana, na medida em que esses documentos apresentam tanto as “inspirações” de Clarice, quanto textos mais desenvolvidos, produtos daquela concatenação.
O que apresentamos neste catálogo são as “inspirações” colhidas por Clarice para A hora da estrela., que, na organização do acervo da escritora, ganharam o termo técnico de notas. As páginas do catálogo, produzidas especialmente para este site, mostram reproduções dessas notas, contendo informações como observações sobre diferenças de caligrafia na nota e identificação das anotações de Olga Borelli.
Por Fábio Frohwein