O romance se passa na década de 1920 e está ambientado no pouco atraente subúrbio de São Geraldo, onde vive a jovem Lucrécia Neves, remotamente inconformada com a mesmice de um ambiente sem futuro. O confronto entre campo e cidade, presente noutras obras da autora (O lustre, A maçã no escuro e Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres), neste romance é essencial para a caracterização da personagem, dividida entre a vila-refúgio de origem, com a qual mantém remotos laços afetivos, e sonhos de uma metrópole romantizada. Mas a inquietação da moça não vai além disso, pois ela apresenta visível limitação na capacidade de refletir sobre a vida. “Lucrécia Neves talvez quisesse exprimi-lo, imitando com o pensamento o vento que bate portas – mas faltava-lhe o nome das coisas”. Seu modo de apreensão do real se dá pelo olhar, que não chega a se transformar em linguagem, em palavra.
O enredo, narrado em terceira pessoa, transcorre linear, em doze capítulos de frases curtas, seguindo as deambulações da protagonista pelas ruas das cidades e pela vida para se exibir e confirmar o que as coisas são em sua aparência. As figuras masculinas, nos flertes e no casamento, são peças do jogo de experimentar estilos de vida. O tenente Felipe em sua farda e poder é, sobretudo, um estrangeiro que deprecia o subúrbio e, assim, a ofende; Perceu Maria, protótipo da beleza, é fraco e “vazio como ela”; o velho Mateus, com quem ela se casa, proporciona a experiência da grande cidade, que não a sacia. Viúva, sobra a promessa de novo casamento, que a afasta da cidade natal em direção a um sítio.
Segundo Lispector, a história de Lucrécia expressa a luta vã “de alcançar a realidade” através da “visão total das coisas”. “Uma das mais intensas aspirações do espírito é a de dominar pelo espírito a realidade exterior. Lucrécia não consegue – então “adere” a essa realidade, toma como vida sua a vida mais ampla do mundo”. O desenvolvimento urbano que chega desordenadamente à pacata São Geraldo, e sobre o qual as pessoas não têm controle, contribui para essa destituição. Lucrécia não vive, espia a vida. É seu modo sitiado de ser.
Por Clarisse Fukelman