Obra publicada em 1968, apresenta uma narrativa centrada no eu, em que o núcleo do enredo – a morte dos peixinhos vermelhos – se dissolve na profusão de pensamentos e histórias de bichos que povoam a obra. Os animais são presença constante na obra de Clarice Lispector e têm espaço garantido na sua produção para crianças. Em A mulher que matou os peixes, a sintonia com os leitores é obtida a partir do endereçamento direto, e o texto anuncia-se como uma confissão da narradora (“Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu”) e um pedido de perdão à humanidade. Suspenses são encontrados a partir de pequenas tramas, em que perdão e culpa se sucedem. No entanto, que não se espere uma narrativa de mistério convencional, visto que a autora opera com a movimentação de gêneros e rompe com esquemas e convenções da narrativa: é uma ficção desordenada, que parece não chegar a ponto único. Assim como em O mistério do coelho pensante, ganham espaço reflexões, comentários e digressões, em detrimento dos atos/fatos do enredo. Os animais são suportes para as emoções humanas, e aparecem dimensionados em pequenas histórias que visam a liberar a narradora da sensação de culpa. Comparecem assim ao texto histórias de gatos, ratos, baratas, lagartixas, cachorros, macacos, em micronarrativas que deslocam a atenção do leitor do “assassinato” dos peixes e ao mesmo tempo o preparam para a explicação da narradora, a quem falta, ao início, a coragem de contar como tudo aconteceu. Apoiado no comum, no que não se evidencia em um olhar primeiro, o texto possibilita interpretações em profundidade, ao ativar sentimentos que se desdobram a partir das narrativas de encontro entre humano e animal. O ato de ler, aqui, demanda um tipo diferente de percepção e concentração do leitor em formação, em que a fraternidade e a solidariedade são constantes. Ganhar confiança, ou melhor, entender a criança é o tom sempre presente (“Eu tenho respeito por meninos e meninas e por isso não engano nenhum deles”) e marca-se mais fortemente pela atitude da narradora que, desde o início, procura o perdão dos leitores pelo ato cometido –– de esquecer de alimentar os peixinhos vermelhos, o que os levou à morte. A sintonia com o universo infantil torna a produção para crianças de Clarice Lispector inovadora, capaz de lidar com a criança de maneira não infantilizada, pensando junto a ela e não por ela, ao longo da narrativa.
Por Rosa Gens