Seguindo a linhagem dos grandes contistas, neste livro, de 1960, Clarice Lispector exibe o domínio absoluto dessa forma breve de narrativa. Reunindo um total de 13 contos, alguns dos quais escritos e publicados anteriormente na imprensa e no formato de coletânea, Laços de família garantiu à escritora o prêmio Jabuti de literatura no ano de 1961.
Ciente de que o conto é o “irmão misterioso da poesia”, espécie de “caracol da linguagem”, segundo Julio Cortázar, Clarice sequestra o leitor e, sem trégua, invade-o com um acúmulo de sentimentos e entrevisões que, aglutinados, se abrem para realidades mais vastas. Como um ímã, ela o arrasta para o interior de cotidianos urbanos e domésticos a partir dos quais surgem, como sempre acontece em sua literatura, a natureza íntima das pessoas e das coisas, a nervura dos seres, seus infinitos e domínios mais insuspeitos. Tudo isso, segundo ela mesma, “cosendo por dentro” o círculo imaginário onde se situam suas personagens e sua lógica organizadora.
Em cada um dos contos de Laços de família o projeto de escrita de Clarice vai criando e consolidando uma paisagem extraordinariamente expressiva sustentada pela força de um discurso que parece muitas vezes escapar dos limites da ficção propriamente dita para ingressar no terreno do ensaio filosófico.
O estado de permanente atenção provocado pelo fato de as narrativas de Clarice se concentrarem no mais insignificante, na intensidade dos gestos e nas palavras – ou na falta delas –, impõe-se como um dos traços estruturantes de sua escrita. O minúsculo e o epifânico, o excessivo e o espantoso, a maneira como o óbvio e o lugar-comum são formulados e a insistente interrogação sobre o estado do mundo podem ser tomados como pequenas pistas ou linhas de leitura desses Laços de família, para os críticos a melhor obra já produzida pela vocação e o talento da contista que se revelou em Clarice Lispector.
Por Martha Alkmin