O lustre (1946), segundo romance de Clarice Lispector, foi escrito quando a autora vivia na Europa, tendo sido finalizado em Nápoles, ao término da II Guerra Mundial. Nele se reconhecem características já anunciadas em Perto do coração selvagem: enredo sem estrutura definida e fluxo de consciência, que valoriza as sensações e a percepção das coisas.
O livro conta a história de Virgínia, desde a infância na Granja Quieta até a vida solitária na cidade. O título remete ao elemento decorativo da casa paterna: “Havia o lustre. A grande aranha escandecia. Olhava-o imóvel, inquieta, parecia pressentir uma vida terrível. Aquela existência de gelo. Uma vez! Uma vez a um relance – o lustre se espargia em crisântemos e alegria. Outra vez – enquanto ela corria atravessando a sala – ele era uma casta semente”. Associado às imagens da aranha e do crisântemo (usada em rituais fúnebres), inseto e flor, o lustre introduz uma poética feminina trágica: prevê a “vida terrível” de personagens vocacionados ao isolamento, conflito e à falta de afeto.
No romance, a morte é uma presença para a protagonista: sua indiferença pelo que a vida pode ter de Eros; o suposto afogamento de um homem, que a assombra mesmo adulta; a recordação de quando, em criança, acompanha o estado intermitente da avó entre vida e morte; e a Sociedade das Sombras, criada por seu irmão Daniel para torturá-la. A crítica Olga de Sá (Cadernos de Literatura Brasileira, do IMS) identifica “na ficção clariciana, uma metafisica da morte”; o “paradigma talvez seja Virgínia de O lustre, que morre no final da narrativa, mas cuja morte é indicada desde o início”.
A protagonista padece de vesguice física e existencial. A compreensão limitada do mundo a aproxima de Lucrécia, de A cidade sitiada. Desde a infância, Virgínia desmaia facilmente, sentindo prazer com a “sensação de voo rasante”, e cria relações negativas com as pessoas. Também neste sentido, a imagem do lustre evoca a falta, o que não brilha, como a existência opaca de Virgínia: “O lustre implume. Como um grande e trêmulo cálice d’água”.
O escritor Lúcio Cardoso, amigo íntimo de Clarice, considerou o título do livro aquém da singularidade da autora. Ela respondeu: “Exatamente pelo que você não gostou, pela pobreza dele, é que eu gosto. Nunca consegui mesmo convencer você de que eu sou pobre. (…) Infelizmente, quanto mais pobre, com mais enfeites me enfeito. No dia em que eu conseguir uma forma tão pobre como eu o sou por dentro, em vez de carta, você receberá uma caixinha cheia de pó de Clarice”.
Por Clarisse Fukelman