O mistério do coelho pensante (1967) foi a primeira obra destinada a crianças publicada pela autora. Escrita nos anos 1950, inicialmente sem propósito de publicação, nasce, segundo Clarice Lispector, de uma pergunta de seu filho Paulo: “Por que você só escreve livros para adultos? Nenhum para crianças?” Assim, para crianças, em 1967 publica-se O mistério do coelho pensante. Em nota que antecede o livro, assinada por C. L., a autora deixa claro que o texto pressupõe a leitura oral, por um adulto, que terá por tarefa contribuir para o preenchimento das entrelinhas. E os vazios de significação são muitos, pois a narrativa é esgarçada e traz muitas perguntas. O procedimento indicado –– de encenação da leitura –– parece servir também para as outras produções da autora dedicadas à infância, que requerem a contação para que se tornem efetivas. O narrador, em O mistério do coelho pensante, denomina-se Paulo, o que evoca o nome do filho de Clarice e vai estreitar os laços de proximidade com o leitor, já que a narrativa constrói-se como uma conversa íntima, em que aquele que escuta/lê é acionado constantemente. O enredo centra-se no coelho Joãozinho, que cheirava ideias, e inventa uma maneira de sair de sua jaula quando não há comida. Os humanos percebem e não deixam de dar-lhe alimento. No entanto, o coelho deseja muito mais do que os humanos lhe oferecem, e sua vida passa a ser “comer bem e fugir, e sempre de coração batendo”. Mais do que pela aventura, o coelho tomara gosto pela liberdade, e é fora da jaula que ele consegue realmente ser um coelho pensante. A poética clariciana evidencia-se no enredo fluido, nas dúvidas e nos questionamentos, na presença de uma narradora que está sempre junto ao seu leitor e diz não conhecer algumas respostas, deixando a dúvida se prolongar. Narrativas de mistério, comumente, conduzem o leitor a investigar pistas, elaborar soluções, resolver enigmas. Na escrita de Clarice Lispector, o mistério é diferente. Não se trata de enigma relacionado a fatos, apenas à possibilidade de brincar de ser coelho, de colocar-se na pele de um outro, de pensar de diferentes ângulos. No texto, que enfatiza a fantasia e a imaginação, brincar e pensar dão o tom, e a contaminação entre coelho e humano, enfatizada no final da narrativa, abre espaço para o maravilhoso.
Por Rosa Gens