No livro Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, a personagem Loreley, conhecida entre os amigos pelo apelido Lóri, sai da cidade de Campos para vir morar e trabalhar como professora primária no Rio de Janeiro. Única filha mulher, com quatro irmãos, nasce de família rica, que a ajuda todo mês com uma mesada. O livro conta sua história de amor com Ulisses, professor universitário de filosofia a quem conhece por acaso, quando ele lhe oferece uma carona. Desde então, tem início uma experiência amorosa que foge aos padrões. Trata-se de uma aprendizagem, estimulada por Ulisses, mas que ambos experimentam: o objetivo é amadurecer a relação e aguardar o momento certo – pleno – para fazer amor. A narrativa acompanha o lento e saboroso processo de espera, quando enfim poderão usufruir de uma troca afetiva densa e livre. Ela, especialmente, que já tivera namorados e relações sexuais, terá de enfrentar a própria sombra: vencer os medos que a impedem de viver plenamente a entrega. Há toda uma preparação para que a proposta de Ulisses se cumpra: “Queria que você, sem uma palavra, apenas viesse”. Segundo o escritor francês Georges Bataille, a experiência erótica traz consigo o desejo de conhecer e de se abrir para o mundo, inclusive para o que foge à compreensão racional. É o que acontece: “Sua alma incomensurável. Pois ela era o Mundo. E no entanto vivia o pouco. Isso constituía uma de suas fontes de humildade diante de qualquer possibilidade de agir.”
Do ponto de vista formal, o texto inicia com uma vírgula, avisando de imediato o leitor sobre o que o espera: enquanto Lóri faz a sua travessia em direção ao amor e ao prazer genuínos, superando obstáculos internos, também o texto propõe uma provocação a quem o lê. Como se dissesse: “não venha ao livro em busca apenas de um bom enredo; tenho mais a oferecer”.
A experimentação revela de pronto que a vida é uma permanente transformação e que esta se dá dentro, e não fora da linguagem. Tanto que termina, sem terminar, empregando os dois pontos: “Aqui está o final do livro:”. A autora emprega recurso similar em outras obras, como A paixão segundo G.H., que começa e termina com travessões, e em A hora da estrela, que encerra com a palavra “sim”. Que os dois pontos, os travessões e o sim sejam escritos pelo imaginário de cada um. E talvez esta seja ousadia necessária, como a autora sugere na nota de abertura: “Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte do que eu”.
Por Clarisse Fukelman