De: Clarice Lispector
Para: Tania Kaufmann

Belém, 23 – 2 – 44

Tania, querida:

Só lhe escrevo hoje pra dar uma conversinha, pois estou sem novidades, nem grande fôlego. Recebi sua carta de sábado (antes do carnaval, suponho) em boa hora. Não me passe carão: mas na segunda-feira de carnaval fomos a uma festa na casa do cônsul americano e eu tomei um bom pileque. Eu digo que não me passe carão porque o dia seguinte já me passou. Puxa! Que enjoo. Uma dessas ressacas de filme de cinema. Foi bom que eu tivesse bebido pra tirar o que existe de tentador na ideia, tão divulgada e cantada pelos poetas… Foi a primeira vez e a última, não há dúvida. Mas hoje estou bem e não sinto nada. Ontem, deitada na cama e enjoando (Maury voltou da rua também enjoado), eu recebi tua carta e enquanto lia não senti nada. Quando li a história da cavalgadura se desentendendo com você, eu gostaria de enjoar em cima dela. Na festa dos americanos dancei muito. Eles são muito simpáticos e alegres, com dentes lindos e, certamente, com ótima saúde. As moças que estavam lá tinham também ótimos dentes e pernas lindas.

Tinha uma enfermeira velha e altíssima divertindo-se muito, a única em vestido comprido, parecido com o robe do Maury. E uma outra extraordinariamente gorda, de espantar, muito alegre, fazendo piadas sobre o próprio peso, o que não deixa de ser um pouco triste. Se a gente tivesse duas vidas, não fazia tanto mal ser tão gorda numa delas. – Eu não escrevi ao Álvaro Lins (O artigo de Álvaro Lins, “Romance lírico”, foi publicado no Correio da Manhã em 11 de fevereiro de 1944. Republicado sob o título de: “A experiência incompleta: Clarice Lispector.” Os mortos de sobrecasaca. Ensaios e estudos (1940-1960), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1963.) dizendo aquilo sobre o romance não ser o “meu romance” porque não interpretei a crítica dele assim. Mas um amigo do Maury escreveu (a Maury) também protestando contra essa insinuação. De que pedaço você e ele deduziram isso? Me escreva – Um jornalista (O jornalista é Edgar Proença. A entrevista Um minuto de palestra foi publicada no Estado do Pará (Belém, 20 de fevereiro de 1944).) daqui escreveu uma crônica sobre mim: ele representa aqui o Lux-Jornal e daí o seu conhecimento a meu respeito. É de se ficar arrepiada. Imagine que ele me fez dizer: “Escrevo porque encontro nisso um prazer que não sei traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando… Meus primeiros ensaios literários a princípio me intimidavam. Depois, uma resolução imediata. Publiquei-os.” – Tenho-os lido em Vamos Ler e noutras revistas (diz ele). – Isso mesmo, respondo eu. Depois fiz o livro que é um pedaço de minha sensibilidade. Está satisfeito na sua curiosidade? (repare que pergunta brejeira e engraçadinha…) Etc. etc. Não é preciso dizer que nem conversei com ele. Apenas dei-lhe a pedido algumas críticas do Lux-Jornal, das quais ele transcreveu um pedaço. Ele diz ainda que eu tenho “tato intelectual”… “Daí a gente ler sem aborrecimentos (?), sem intermitências, os contos e a arte de C. L.” – Não sei onde publicar meus contos e não tenho propriamente vontade. O bom seria publicá-los em qualquer lugar só para tê-los impressos e, caso que tememos, eu poder apresentá-los. Sabendo que eu era jornalista, pediram-me colaborações para um jornal e para uma revista. Mas é impossível… você verá.

(…) Mando-lhe alguns recortes. Leia o conto que é muito bom. Susana também vai gostar. É exatamente o gênero dela. Quando eu li estava pensando em você. – Com certeza você recebeu uma carta grande minha depois daquela a que você respondeu. Me escreva e receba um abraço grande de sua

Clarice

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