De: Clarice Lispector
Para: Tania Kaufmann

Berna, 23 junho 1946

Minha querida irmãzinha

Você não pode calcular minha alegria: sua carta datada de 15 e colocada no correio a 15 mesmo, chegou aqui a 20… Cinco dias. Você escreveu num sábado e eu recebi na quinta seguinte. Rememorei meu sábado e quando vi que nesse dia chato e vazio você estava me escrevendo, entrei em êxtase. Estou muito contente que William tenha voltado e tudo esteja bem. A idéia que você tem de acenar a William com uma viagem para me ver, embora eu saiba que é apenas uma ameaça a ele, tomei como promessa a mim. Imaginei você aqui e fiquei pensando vários minutos, e só nisso tive alegria. A primeira coisa que eu faria era não deixar você em Berna e ir depressa com você a Paris.

A notícia da morte de tia Zina (A irmã de Mania Lispector, mãe de Clarice, morava em Recife.) me deixou triste. Eu pensava às vezes nela. Fiquei perplexa como se isso não pudesse acontecer.

Querida, fico com remorsos de estar aqui em vez de ajudar você nos seus trabalhos. Se eu estivesse lá ajudaria Marcia a fazer os deveres, pelo menos. Me escreva sem falta o resultado da penicilina. Eu tenho grande fé nisso e se o Mazzini disse que ela fica boa, acho que fica. Escreva sem falta. E por mais trabalho que você tenha, queridinha pequena, não descuide da vaidade, como você diz que não sucede… Faça o penteado mais lindo, meu amor, seja querida. Mas por favor, acredite que você conseguirá a mesma soma de produção mantendo ao mesmo tempo os nervos relaxados. Chegue junto do espelho, faça a sua cara mais repousada e calma – e com essa expressão, continue o trabalho. Você vai ver que ganha uma nova força. Essa história de olhar ao espelho e fazer uma expressão, tem raízes científicas. se você quer se convencer. Tem uma teoria de emoções que diz que a gente fica alegre porque ri. Sem aprofundar mais, ela tem um parte verdadeira. Não, não comprei os óculos. Como a coisa é importante fiquei de consultar um oculista que não estivesse ligado a uma casa de ótica. E até hoje não fui; mas vou. Tenho lido bastante, tenho ido à Biblioteca Pública, tenho trabalhado como posso. A crítica de Álvaro Lins (“E nota de Álvaro Lins dizendo que meus dois romances são mutilados e incompletos, que Virginia parece com Joana, que os personagens não têm realidade, que muita gente toma a nebulosidade de Claricinha como sendo a própria realidade essencial do romance, que eu brilho sempre, brilho até demais, excessiva exuberância…” (Carta de Clarice Lispector a Fernando Sabino. Berna, 19/6/46. Cartas perto do coração. Record, 2001.)) me abateu bastante, tudo o que ele diz é verdade, causada ou não por uma inimizade que ele tem por mim, seja ou não uma crítica escrita em cima da perna. Ao lado disso que ele diz e é verdade, ele não me compreendeu. Mas isso não tem importância. Recebi carta de Fernando Sabino, de Nova York, ele diz que não compreende o silêncio em torno do livro. Também não compreendo, porque acho que um crítico que elogiou um primeiro livro de um autor, tem quase por obrigação anotar pelo menos o segundo, destruindo-o ou aceitando. O terceiro é de que ele não precisa falar, se quiser. Gostaria muito de ler uma crítica de Antonio Cândido. Ele escreveu? Diga sua opinião, querida. Em todo o caso, já passei por cima da crítica de A. Lins, embora a leve a sério. De um modo geral, é preciso fazer como o homem que dava todo dia uma surra na mulher porque algum motivo teria de haver. Mesmo que A. Lins não saiba porque “dá a surra”, eu aceito porque um motivo e vários devem existir e eu mereço. – Sobre Joseph Sztern e mulher, agora você diz que estão em Roma. Enquanto isso eu já tinha enviado a segunda carta, com cópia para Polônia e Suécia. Acho que se estão em Roma, vai ser mais fácil. Com certeza já procuraram a Embaixada. Vamos nos comunicar com Mozart imediatamente. – Recebi sua carta a 20 de tarde, exatamente o dia em que parte o correio para o Brasil e perdi.

Por isso escrevo apenas hoje, domingo, e amanhã de madrugada segue. Sim, meu amor, os meses passam depressa, felizmente. Os dias às vezes é que não passam. Seja feliz, minha florzinha miúda, tenha uma vida linda, me escreva, me escreva.

Tua Clarice


Recebi os recortes com citação de Lucia Miguel Pereira e Alcântara Silveira.