De: Clarice Lispector
Para: Tania Kaufmann

Berna, 6 julho 1948

Minha queridinha pequena,

Você soubesse que emoção boa foi a de receber os presentes pro bebê! Posso te dizer que recebi coisas de outras pessoas e que classifico de “frias” as emoções ao recebê-los – comparando-as com as que experimentei quando recebi o joguinho de cama e a camisola. São umas delícias de delicadeza e bom gosto e intenção. Imaginei a criança usando aquilo tudo – e mais – vocês pegando nela. Muito obrigada, minha Naninha, pela delicadeza da escolha. Os bordados são finíssimos e com cara de bebê… – Se eu pudesse escolher a época de você ganhar na loteria, querida, eu pediria que isso acontecesse depois da criança nascer. Porque vir à Europa para entrar e sair em casa de saúde, e para só conhecer Berna, é pouco. Quero que você ganhe na loteria e venha para cá quando eu puder ir com você a Paris e mostrar coisas a minha irmãzinha. Te adoro, querida, Deus te abençoe e te dê alegrias. – Não cheguei a ver o sr. Koogan. Ele me telefonou de Montreux dizendo que pretendia vir até Berna e então me daria pessoalmente a encomenda de vocês. E que se não pudesse vir, me telefonava e me mandava ao mesmo tempo o embrulho pelo correio. Ora, ele não me telefonou, só me mandou. E como eu esperava que ele me telefonasse de novo, não tomei nota do hotel em que ele estava (minha memória está meio ruim e só anotando as coisas consigo me lembrar delas). Não sabendo do hotel dele não posso aproveitar a gentileza com que me ofereceu de levar coisas para vocês. Quem sabe se ele ainda me telefona.

Está pela Suíça um colega de Maury que vai para o Brasil. Estou vendo se ele leva meu livro. E, conforme a cara dele no momento de lhe pedir esse favor, pedirei que leve ao menos um chocolate para Filomeninha querida. – Não sei se você sabe que a Agir não quer ou não pode publicar meu livro – o fato é que a resposta foi negativa. De modo que estou sem editora. Estou com vontade de mandar por esse rapaz o livro para o Brasil. Você dê ao Lucio para ler. O que eu quero é que este livro saia daqui. Melhorá-lo é impossível para mim. E, além disso, preciso com urgência me ver livre dele. Quando você der o livro ao Lucio, não fale nele arranjar editora. Eu mesma escreverei talvez uma carta dizendo. Nem tenho coragem de pedir a você que o leia, querida. Ele é tão cacete, sinceramente. E você talvez sofra em me dizer que não gosta e que tem pena de me ver literariamente perdida… Enfim, faça o que você quiser, o que lhe custar menos. Espero um dia poder sair deste círculo vicioso em que minha “alma” caiu. – A Agir já me pediu duas vezes a cópia do contrato de O lustre. Você a tem? Quer mandá-la à Editora? – Mozart, Eliane e a criança tiraram férias e passaram por aqui. Eliane e a menina seguiram logo para a montanha e Mozart ficou umas duas semanas conosco, ele parte amanhã.

– Eu estou bem de saúde, só sofro de um ardor danado no estômago…

Estou com 70 quilos… Mas não pareço gorda. Acho que esse peso todo vem em parte de mim, em parte da criança e em parte do “enxoval” que uma criança traz consigo: águas, placentas etc. O médico disse que estou muito bem, que a criança está se desenvolvendo muito bem e que tudo está completamente normal. Aí vai um retratinho que um inglês tirou de nós há poucos dias. Nele estou um pouco favorecida… Mas pelo menos vocês veem que estou bem. O retrato foi tirado num passeio a Interlaken. – Até não me incomodo por você não ter mandado o bolo… Porque eu acharia até sacrilégio comê-lo. Certamente acordaria de noite para comer os farelos. Minha queridinha pequena, minha florzinha do campo, Deus te abençoe. Cuide-se bem, minha irmãzinha, nunca deixe que o cansaço tome conta de você, nunca se deixe levar por nenhuma depressão. Seja alegre, seja feliz. Faça higiene mental e moral, não se deixe abater por chateações de empregada nem por chateações de trabalho. Sim, querida? Também não se preocupe comigo: estou bem, tudo se passará perfeitamente, com todo conforto, médico bom, clínica boa. De modo que não há mesmo por que se preocupar. Nem me ocorre medo de parto ou de dor. Fique descansada.

Me dê um abraço, querida, seja muito feliz. Dê um abraço para William, um beijo na Marcia. Diga a ela que o bebê manda um beijo.

Sua, sempre, Clarice