De: Clarice Lispector
Para: Elisa Lispector, Tania Kaufmann

Berna, Franenspital – 21 setembro 1948

Minhas queridinhas,

Por enquanto as cartas vão em conjunto porque escrever deitada é às vezes cacete. Recebi suas duas cartinhas, Lea, e finalmente a sua Naninha. Desculpe ter obrigado você a gastar dinheiro com telegrama. E suas cartas, Elisa, primaram pelo silêncio a respeito. Preparei, num momento de febre e raiva, uma carta para vocês que felizmente não mandei. Eu avisava que só escreveria muito raramente, que estava cansada de ser o cachorrinho da família. Que durante 4 anos implorou uma notícia para recebê-la apenas depois de 5 ou 6 cartas vazias de vocês. Dizia – e é pura verdade – que tive que pedir a você, Elisa, em mais de dez cartas para me informar sobre o concurso e o resultado, mas que isso parecia ser assunto tão privado que só depois de eu implorar você resolveu ser indiscreta em alto grau e me dizer que ainda não sabia do resultado. Parece absolutamente incrível! A você, Tania, escrevi cartas ridículas. Sei quanto isso é importante e estava ansiosa. Pois escrevi umas 3 ou 4 cartas para finalmente ter resposta. Quero sinceramente dizer a vocês que isso me feriu muito, especialmente agora depois do parto, na casa de saúde. Não digo que eu poderia me vingar e não mandar notícias – não digo isso porque seria ridículo imaginar que vocês se incomodariam. Não adianta protestarem. Se vocês se incomodassem entenderiam que não podem fazer o mesmo comigo.

Passado esse período de queixas, minhas queridas, quero dizer como gostaria que vocês vissem Pedrinho. Ele é tão engraçado. Não é bonito (os outros acham, eu não propriamente) mas é tão engraçadinho. Tem os olhos escuros, meio achinesados, um nariz de batatinha – e está com um calo nos lábios porque agarra a mamadeira com muita força… É um comilão. Não tem nenhum defeito, é sadio, redondo, gozado, muito parecido com Maury. Eu mesma ainda estou no hospital, mas vou bem melhor. Tenho um pouco de febre mas não é nada e já está diminuindo. As dores também já estão diminuindo. E estão me fazendo um enérgico levantamento de forças – injeções de vitamina na veia, fortificantes, mil coisas. Estou passando realmente bem melhor e espero não ficar aqui mais do que uns 8 ou 10 dias ainda. Talvez até menos. Quanto a Maury, poucas vezes na vida tenho visto pessoa igual. Ele é tão bom para mim, pensa em tudo, tem uma paciência enorme comigo e me cerca de tanto carinho e cuidados que eu nem mereço. Espero nunca na vida feri-lo em nada. Não é só porque ele tem sido assim que eu digo. Em relação a tudo, ele é das pessoas mais puras que conheço. Eu não poderia ter um pai melhor para meu filho.

Já estou tão arrependida de ter escrito duramente para vocês no começo da carta. Mas vocês me fizeram sofrer muito. Tania, na sua carta você diz que eu devo estar em casa em trabalheiras com o bebê. Mas vocês então não sabem o que é uma nurse suíça. Uma nurse suíça é uma enfermeira diplomada que se encarrega de tudo, tudo – e que não deixa a mãe dar opinião demais. No contrato já impresso vem que ela pode chamar médico sem consultar os pais. E coisas do gênero. Naturalmente estarei sempre de olho nela, não só vigiando como aprendendo. Mas pode-se entregar perfeitamente uma criança aos seus cuidados e ir viajar. (Não farei isso senão se for muito necessário ou depois de conhecer bem minha nurse.) Pedrinho é de boa paz, ao que parece. Mas com mãe tão chata, é melhor ele ser criado por pessoa pacífica, que lhe dê bons hábitos e bons nervos, vocês não acham? Maury está muito contente com o menino. Como lhes disse, ele nasceu com grande cabeleira negra, fizeram chuca-chuca desde o primeiro momento. Os olhinhos são muito vivos, tem um choro muito forte, parece de um marreco chamando outros marrecos num rio. Tem as mãozinhas muito bonitinhas. E dois respeitáveis pares de bochechas, um queixo meio pontudinho, o lábio superior mais saliente que o inferior. As orelhas são coladinhas na cabeça, por enquanto. E de vez em quando ele suspira… Enfim eu gostaria de partilhar com vocês as alegrias das caretas de Pedro. Marcinha recebeu minha carta de aniversário? Como recebeu ela a notícia de Pedro? Me escrevam por favor. Se tiverem vontade. De agora em diante só escreverei em resposta a cartas. Não se preocupem com minha saúde, afianço a vocês que agora eu não podia estar melhor. Mil abraços,

Clarice

Não estou amamentando. Tinha muito pouco leite também porque passei muitos dias sem comer nem beber. E ainda tiraram o leite que eu tinha, impedindo de vir, acho que para não me cansar. Mas Pedrinho não precisa.