Trata-se de uma novela publicada em 1977 e escrita na forma de contraponto. De um lado, a história da ingênua Macabéa, migrante nordestina pobre em luta pela sobrevivência na cidade grande; de outro, o drama do escritor e seu processo de criação ao retratar uma pessoa distante de seu universo socioeconômico e ser capaz de se comunicar com ela: “Tentarei tirar ouro do carvão”, diz ele. A moça alagoana, sem recursos para lidar com os códigos urbanos numa cidade do porte do Rio de Janeiro, despreparada para enfrentar a competição capitalista, sem atributos que lhe garantam sucesso no mercado do amor e do trabalho, enfrenta a hipocrisia de pessoas próximas. O namoro com o operário Olímpico de Jesus Moreira Chaves, nordestino como ela, não progride. Rude e vaidoso, ele afinal de contas não vê no relacionamento chances de ascensão social. A colega Glória, por sua vez, espelho invertido da protagonista – carioca “safadinha e esperta”, confiante nas próprias sexualidade e feminilidade –, não hesita em ser desleal. O tom do livro oscila entre a compaixão por um ser tão frágil, a angústia diante de uma forma de escrita incompetente para se comunicar com os miseráveis, e a ironia, anunciada no nome dos personagens.
O percurso de Macabéa, de corpo sem atrativos e sem preparo profissional, desmascara a crueldade humana e a brutal desigualdade social no Brasil. O narrador Rodrigo S.M., máscara ficcional de Clarice Lispector, se vê como intruso ao traduzir ficcionalmente o “sentimento de perdição no rosto de uma moça nordestina”. Conforme prefácio que escrevi para o livro em 1990, o desafio do narrador é escrever Macabéa e a si mesmo. O livro discute a linguagem em nível filosófico, ao pôr em cheque a palavra como meio de conhecimento; sociológico, ao representar conflitos de classe, com destaque para a função do escritor e a inserção do nordestino na sociedade brasileira; e estético, ao tratar do gesto criador.
A adaptação da obra para o cinema, de 1985, com direção de Susana Amaral e protagonizada por Marcela Cartaxo, obteve prêmios nacionais e internacionais.
Por Clarisse Fukelman