Clarice Lispector e João Cabral: uma história tipográfica

, Clarice Lispector e João Cabral: uma história tipográfica. IMS Clarice Lispector, 2015. Disponível em: https://site.claricelispector.ims.com.br/2015/09/16/clarice-lispector-e-joao-cabral-uma-historia-tipografica/. Acesso em: 22 dezembro 2024.

Por entender que literatura é também uma espécie de saúde, na expressão deleuziana, João Cabral de Melo Neto abriria na década de 1940 uma pequena tipografia enquanto esteve na Espanha atuando como vice-cônsul. Em depoimento aos Cadernos de Literatura Brasileira diz: “Eu andava com problemas de saúde e o médico me aconselhou a fazer ginástica. Em vez de fazer ginástica sueca, eu resolvi comprar uma prensa manual. Trabalhar nela era quase a mesma coisa que fazer exercícios”.

A prensa manual daria origem à oficina “O livro inconsútil”. Ali, Cabral imprimiria quatorze títulos, todos de poesia, de Manuel Bandeira a Charles Baudelaire, passando por Vinicius de Moraes, Joaquim Cardoso e os espanhóis Alfonso Pintó e Juan Ruiz Calonja, além de dois títulos seus, Psicologia da composição e Cão sem plumas.

Para estrear a tipografia, Cabral tentaria convencer Clarice Lispector. Na época, a autora preparava o romance A cidade sitiada e a tragédia “O coro dos anjos”. O interesse do poeta pernambucano parecia pender mais pela peça: “Fico esperando ‘O coro dos anjos’. Você me fala dele tão fabulosamente que minha expectativa aumenta. Embora certo de que você gostará dele quando imprenso num bom papel”.

A ideia de ter um título clariciano inaugurando “O livro inconsútil” anima igualmente o amigo Manuel Bandeira que escreve a Cabral: “Se sua impressora começa com Clarice Lispector, que melhor começo pode desejar?”.

Embora a publicação de Clarice pela tipografia fosse estimada por dois dos mais importantes poetas brasileiros, ela declina o convite. “Só lamento é não começar com uma coisa sua”, registra Cabral.

O primeiro título de “O livro inconsútil”, afinal, é Psicologia da composição, do próprio João Cabral de Melo Neto, mas por um motivo puramente técnico: “Custei a acertar a mão e para que o livro [Mafuá do Malungo] do Manuel [Bandeira], que estava na máquina, não fosse prejudicado, coloquei o meu. (…) É, inegavelmente, a mais difícil de todas as tarefas lograr-se uma boa impressão”.

E a peça querida por Cabral, “O coro dos anjos”, seria publicada somente em 1964 no livro A legião estrangeira, pela Editora do Autor, com o título “A pecadora queimada e os anjos harmoniosos”.

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