De: Clarice Lispector
Para: José Simeão Loeal

Washington, 10 de março de 1959 

Exmo. Sr. José Simeão Leal 

Serviço de Documentação 

Ministério da Educação e Cultura Rua da Imprensa, 16 

9º andar, sala 902 

Rio de Janeiro, D.F. – Brasil 

Prezado Simeão, 

desisti de lhe escrever há vários anos, sabendo, por experiências repetidas, que, sendo pouco o seu tempo, eu não receberia resposta. O que explica por que enviei mensagens por amigos. Minha última tentativa foi por intermédio de minha amiga e concunhada, Eliane Gurgel Valente. 

Acabo, porém, de receber as provas do livro de contos – o que me deu a súbita esperança da possibilidade de um contato direto, com resposta de sua parte. Ou estarei sendo otimista…? 

Há quatro anos os originais dos contos estão em suas mãos para serem publicados. (Continuo considerando uma de minhas experiências agradáveis o fato de Você me ter encomendado os contos – e eu, tão difícil de escrever ficção por encomenda, ter vitoriosamente conseguido.) Recebi dois ou três mil cruzeiros em pagamento prévio. Com a demora de publicação, e com a falta de resposta às minhas cartas, considerei-me desobrigada de meu acordo com Você. Restavam os dois ou três mil cruzeiros que me tinham sido pagos – e que eu autorizei a Sra. Eliane Gurgel Valente a restituir, em troca dos originais a que eu me considerava com direito. Sua resposta foi negativa. 

Aqui, nesta carta, quero reiterar minha proposta – desta vez enfim diretamente, animada pelo fato de Você me ter escrito. A proposta continua a mesma: estou pronta a devolver os dois ou três mil cruzeiros, em troca do direito de dispor de meus originais. Estou precisando de dinheiro, e quero vender os contos separadamente, a jornais ou revistas. 

Ser publicada por Você é uma honra. Além do mais, Você é um amigo, e pessoa que admiro e respeito. Mil vezes eu teria preferido que Você tivesse atendido minhas mensagens (sobre devolução dos contos) durante os quatro anos. Lamento a coincidência de Você só me ter escrito na hora de me mandar as provas. Ter enfim me escrito, me deu, como eu disse, a esperança de um contato direto. Mas é com infinito desagrado que percebo o perigo da coincidência – poderia parecer que, tendo as provas comigo, eu lhe faço a proposta da devolução dos contos. Você e eu, além das pessoas que gentilmente se encarregaram de lhe transmitir minhas mensagens, sabemos que há muito eu queria os originais de volta. 

Você me prestará um favor ao me atender. Ao Ministério de Educação obviamente não interessa a publicação dos contos, ou estes não teriam ficado numa gaveta durante quatro anos. E a mim – por motivos claramente financeiros e de certo modo urgentes – me interessa publicação comercial, mesmo sem a honra de ter livro publicado por Você. 

Uma coisa me aborrece: se o livro chegou a ponto de provas, isso significa provavelmente alguma despesa da parte do Serviço de Documentação, despesa que não estou, infelizmente, em situação de indenizar. 

Mas, por outro lado, uma coisa me consola. É que também eu tive prejuízos. Durante os quatro anos, recebi, vez por outra, recados mandados por Você, garantindo que o livro estava “prestes a sair”, e “já em provas”. Isso me impediu de vender os contos separadamente a jornais e revistas, pois “em breve” os contos, senão publicados por Você, não seriam mais inéditos – e eu não podia vender um conto que poderia ao mesmo tempo sair em livro. Recusei propostas nesse sentido, propostas que me interessavam. Só uma vez resolvi – diante da coisa cada vez mais vaga que se tornara a publicação do livro – assumir compromisso. Aceitei uma proposta de O Estado de S. Paulo. Acontece que eles só chegaram a publicar um conto. Pois, em seguida ao recebimento do cheque, recebi daquele jornal uma carta, justamente indignada, dizendo que, se eu dera a eles exclusividade de publicação, não deveria ter dado um conto a um jornal do Rio. Acontece que esse jornal do Rio não me pediu pessoalmente nenhum conto, não avisou que publicaria, nem explicou como tinha conto meu em mãos. O jeito que dei foi escrever uma carta de desculpas ao Estado de S. Paulo – e perdi o contrato. 

Com isso, Simeão, quero lhe dizer que, para paz de minha consciência, tive prejuízos certamente comparáveis aos do Serviço de Documentação em preparar provas. Até um ano atrás, esses prejuízos não me afetavam substancialmente. Mas agora tenho que tentar vender os contos separadamente. 

Por favor, leia esta carta com compreensão. A mesma que tive durante quatro anos… 


Sua amiga
Clarice Lispector 

Clarice Lispector
4421, Ridge Street
Chevy Chase
Washington 15, D.C.
U.S.A.