De: Clarice Lispector
Para: Elisa Lispector

Berna, 19 outubro 1948

Leinha, querida,

Recebi sua carta (aquela em que você falava que tinha ido ver Berta) e hoje a de 14. Não respondi logo porque eu estava esperando que uns instantâneos de Pedrinho ficassem prontos – mas adiando cada vez mais a entrega e nem sei se irão ainda com esta carta. Me lembro bem da carta que eu lhe escrevi, sobre deixar os outros em paz. Realmente o tom geral devia estar pessimista. O pessimismo passou, mas o bom propósito não: farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo por causa das pessoas. Às vezes o amor que se dá pesa, quase como responsabilidade na pessoa que o recebe. Eu tenho essa tendência geral para exagerar, e resolvi tentar não exigir dos outros senão o mínimo. É uma forma de paz… Também é bom porque em geral se pode ajudar muito mais as pessoas quando não se está cega pelo amor. Espero com Pedrinho não exagerar – serei mais útil a ele assim. Por falar nele, está engraçadíssimo, rindo à toa. Não há na carinha dele nenhum traço que lembre sequer algum meu. Ele é totalmente Maury, ou melhor, a família de Maury. Até traços de d. Zuza ele tem. Acho que me impressionei demais com ela… Às vezes fico com pena, porque passei por todo esse trabalho sem deixar um sinalzinho meu ao menos… Ele está muito esperto e tenho a impressão de que vai ser uma criança bastante sapequinha. Minha vontade é que vocês gostem muito dele. E gostarão com certeza. Do momento em que ele rir para vocês – um risinho tolo, cheio de graça – vocês ficarão conquistadas… Estive em atrapalhações com a “nurse” que – como você previu – chateou com os excessivos cuidados. Ela agasalha tanto a criança que esta transpira. E o motivo é que ela mesma é friorenta. Além do mais é uma nervosa, uma excessiva em tudo: nos cuidados, nos carinhos, nas manias de silêncio, e na teimosia. De modo que no dia 8 vem outra muito melhor, do mesmo jeito diplomada e de absoluta confiança, que serviu na casa de minha amiga argentina. Assim nossas férias vão ser ainda mais repousadas. Essa chata que tenho em casa nos apressou, com o seu nervoso, a procurar outra casa, e nem é preciso ainda. Mas agora vamos já assinar contrato para uma outra (só em dezembro) não tão original e bonitinha como esta; mas mais ensolarada. Querida, como você vê, estou contando mil fatos pequenos sem importância mas que dão uma ideia da vida em Berna… Hoje tenho que ir a um cocktail. Amanhã jantaremos com o presidente na casa do ministro, com vestido comprido e balangandãs materiais e espirituais. Depois de amanhã almoçarei na casa da embaixatriz de França, senhora que escolhe muito os convidados e que me honra com sua atenção frequente (ela é aliás a única mulher inteligente do meio diplomático). Depois de depois de amanhã, almoço com o ministro do Exterior na nossa Legação… Não pense que é sempre assim, é uma semana rara. A você conto para dar ideia do que pode acontecer por aqui… – Espero que os retratos fiquem prontos ainda hoje e possam seguir. – Querida, um beijo para você. Como eu gostaria que você estivesse ouvindo Pedrinho chorar (ele está chorando agora). Ele olha bem nos olhos da gente e acompanha uma pessoa pelo quarto com o olhar. Hoje está pesando 4k580. D. Noemia almoçou hoje aqui com o ministro, e Pedro distribuiu sorrisos a todos. Espero que ele não tenha alma de diplomata, seria um grande desgosto… Minha querida, um grande abraço pra você, da sua sempre

Clarice