, 50 anos de O mistério do coelho pensante. IMS Clarice Lispector, 2017. Disponível em: https://site.claricelispector.ims.com.br/2017/06/26/50-anos-de-o-misterio-do-coelho-pensante/. Acesso em: 29 abril 2025.
Escrita nos anos 1950, durante o período em que morou em Washington, O mistério do coelho pensante foi a primeira obra destinada a crianças escrita por Clarice Lispector. A partir de uma pergunta de seu filho Paulo – “Por que você só escreve livros para adultos? Nenhum para crianças?” – o texto, inicialmente sem propósito de lançamento, foi escrito em inglês e engavetado até que em 1967 foi publicado pelo José Álvaro.
O narrador, em O mistério do coelho pensante, denomina-se Paulo, o que evoca o nome do filho de Clarice e vai estreitar os laços de proximidade com o leitor, já que a narrativa constrói-se como uma conversa íntima, em que aquele que escuta/lê é acionado constantemente.
O enredo centra-se no coelho Joãozinho, que cheirava ideias, e inventa uma maneira de sair de sua jaula quando não há comida. Os humanos percebem e não deixam de dar-lhe alimento. No entanto, o coelho deseja muito mais do que os humanos lhe oferecem, e sua vida passa a ser “comer bem e fugir, e sempre de coração batendo”. Mais do que pela aventura, o coelho tomara gosto pela liberdade, e é fora da jaula que ele consegue realmente ser um coelho pensante.
Segundo Rosa Gens, “a poética clariciana evidencia-se no enredo fluido, nas dúvidas e nos questionamentos, na presença de uma narradora que está sempre junto ao seu leitor e diz não conhecer algumas respostas, deixando a dúvida se prolongar. Narrativas de mistério, comumente, conduzem o leitor a investigar pistas, elaborar soluções, resolver enigmas. Na escrita de Clarice Lispector, o mistério é diferente. Não se trata de enigma relacionado a fatos, apenas à possibilidade de brincar de ser coelho, de colocar-se na pele de um outro, de pensar de diferentes ângulos. No texto, que enfatiza a fantasia e a imaginação, brincar e pensar dão o tom, e a contaminação entre coelho e humano, enfatizada no final da narrativa, abre espaço para o maravilhoso”.
Um livro só pra quem gosta de coelhos, segundo Clarice Lispector, que pede ainda aos adultos um pouco de paciência e compreensão para as muitas perguntas que não poderão responder em termos de coelho.
Capa de O mistério do coelho pensante (1967), 1ª edição
Na década de 1960, o espanhol Jaime Vilaseca era marceneiro no Rio de Janeiro, até que um encontro com Clarice Lispector mudou sua vida. A escritora encomendara a ele uma estante de livros, que foi feita e montada em seu apartamento, no bairro do Leme. Durante aqueles dias, silenciosamente, observara-o trabalhando e, terminado o móvel, olhou para ele e disse: "Você vai ser moldureiro. Não vai escapar ao seu destino!".
A palavra “infamiliar” é um neologismo que Clarice Lispector utilizou em vários momentos de sua obra. O vocábulo não está dicionarizado na língua portuguesa e não se pode afirmar que a autora seja a primeira a criá-lo na literatura brasileira. No entanto, ao mencionar a palavra “infamiliar” ao menos dezesseis vezes, seja nos romances, seja em contos e crônicas, a autora faz desse significante singular um objeto de maior atenção.
[...] por toda a obra de Clarice se manifesta uma deslumbrada – quase primordial, inaugural, edênica – visão do gênero, da divisão homem-mulher. Nota-se um fascínio assustado de haver no mundo um homem-macho-animal, como lemos por exemplo no conto “O búfalo”, e também nesse outro conto sobre a masculinidade fantásmica e monstruosa que é “O jantar”.
Eu morri. Descobri isso quando, um dia, na calçada da Praça Maciel Pinheiro, ergui a cabeça, abri os olhos e avistei-me morto, ali, na calçada da praça, o sobrado do outro lado da rua. Meu coração despedaçado dentro do peito, o sobrado da rua do Aragão, 387, onde, no segundo andar, Clarice Lispector viveu uma infância feliz, aqui no Recife, apesar das dores do mundo e de viver e sentir, principalmente, as dores de uma doença implacável que um dia arrancaria Mania, a sua mãe, de perto de si.
Em um livro pequeno, vasto e reluzente chamado Três degraus na escada da escrita, de Hélène Cixous (1993), a autora é levada a três escolas por escritores que ama: a Escola dos Mortos, a dos Sonhos e a das Raízes. Um dos livros que transportam Cixous para a Escola dos Sonhos é o segundo romance publicado de Clarice Lispector, O lustre.
Correio para mulheres, organizado por Aparecida Maria Nunes, reúne textos de Clarice Lispector para o público feminino, escritos em três momentos distintos da carreira da escritora.