, O fator Clarice. IMS Clarice Lispector, 2017. Disponível em: https://site.claricelispector.ims.com.br/2017/03/20/o-fator-clarice/. Acesso em: 22 novembro 2024.
O Instituto Moreira Salles, em parceria com o Departamento de Humanidades da Universidade de Columbia, divulga o seminário internacional The Clarice factor: aesthetics, gender, and diaspora in Brazil (O fator Clarice: estética, gênero e diáspora no Brasil), que acontecerá nos próximos dias 23 (quinta-feira), 24 (sexta-feira) e 29 (quarta-feira) de março, na Casa Hispánica em Nova York.
O marco inaugural da colaboração entre o IMS e a Columbia University começou em dezembro de 2015 com o colóquio Brasil: cruzamento global, na sede do Instituto, no Rio de Janeiro, que reuniu pesquisadores daquela universidade, professores e especialistas brasileiros, além dos coordenadores de acervo do IMS, em discussões multidisciplinares sobre o processo de modernização do Brasil.
A partir dali, se estreitaram as relações entre as instituições que anunciam o novo evento organizado por Ana Paulina Lee e Graziela Montaldo, do Departamento de Culturas Ibérica e Latino-americana, da Columbia, e pela Coordenação de Pesquisa do IMS.
Totalmente dedicadas a discussões sobre a escrita clariciana como perfomance, forma, som e matéria, as mesas estarão concentradas, sobretudo, no dia 24 com a participação de professores-pesquisadores de diversas universidades. Entre os convidados do IMS estão Carlos Mendes de Sousa, Vilma Arêas (Unicamp) e Yudith Rosenbaum (USP). Estão confirmados também Katrina Dodson, premiada tradutora da edição de Complete stories, e o argentino Gabriel Giorgi, professor associado na Universidade de Nova York.
O evento contará ainda com a instalação Edge of nothing da diretora teatral Dara Malina, que em 2015 já havia adaptado A hora da estrela para o teatro na mesma universidade.
Clarice deixou vários rascunhos para cálculos de respostas fornecidas pelo I Ching. Algumas das perguntas estão rabiscadas, como “Qual é o meu futuro de um modo geral?”
Nas entrevistas feitas por Clarice há uma espécie de inadequação no que diz respeito à técnica jornalística. Com Vinicius de Moraes, sua primeira abordagem soa como provocação: “Vinicius, você amou realmente alguém na vida?”
As crônicas de Clarice Lispector foram reunidas em livro pela primeira vez em 1984, em A descoberta do mundo, volume organizado por Paulo Gurgel Valente, filho da autora, que alinhou em ordem cronológica 468 textos publicados no Jornal do Brasil entre os anos 1967 e 1973. Li e reli aquelas quase oitocentas páginas muitas vezes...
Acredito que Clarice e eu compartilhávamos uma sensação comum: os objetos não são inanimados, ao contrário, têm uma vida secreta. Não sei se o leitor já fez a experiência de, à noite, desligar as luzes de sua sala e, aos poucos, observar que seus olhos se adaptam ao es- curo e finalmente você consegue perceber a presença viva das coisas.
, Uma crítica selvagem para Perto do coração. IMS Clarice Lispector, 2017. Disponível em: https://site.claricelispector.ims.com.br/2017/03/03/uma-critica-selvagem-para-perto-do-coracao/. Acesso em: 22 novembro 2024.
É final de 1943. Sai por uma editora de parca relevância cultural, A Noite, o inusitado Perto do coração selvagem, livro de uma autora de 22 anos incompletos, ex-funcionária da casa. Dois dos principais críticos da época, Álvaro Lins e Otto Maria Carpeaux, tiveram, anteriormente, acesso aos manuscritos desse romance. Tanto o editor da prestigiosa José Olympio quanto Carpeaux desaconselharam seu lançamento. Contrariando essas opiniões, o livro sai com uma tiragem de mil cópias (esgotadas em junho do ano seguinte). A autora não ganha muita coisa, além de cem exemplares para distribuir entre amigos e família.
Lins, como um dos mais respeitados críticos e também editor chefe do Correio da Manhã, publicará no dia 11 de fevereiro de 1944 por este periódico o artigo “Romance lírico”, no qual se dedicará a Perto do coração selvagem e a essa desconhecida, Clarice Lispector.
Os argumentos usados pelo crítico lidos a partir de hoje garante uma leitura se por um lado absurda ao usar como critério o gênero feminino em oposição ao masculino para justificar muitos aspectos da obra, por outro lado, não deixa de ser divertida.
Uma característica da literatura feminina é a presença muito visível e ostensiva da personalidade da autora logo no primeiro plano. É certo que, de modo geral, toda obra literária deve ser a expressão, a revelação de uma personalidade. Há, porém, nos temperamentos masculinos, uma maior tendência para fazer do autor uma figura escondida por detrás das suas criações (…). Logo se vê que as mulheres estão inclinadas de modo especial para essas formas literárias que permitem projeções mais diretas e sensíveis das suas personalidades.
Álvaro Lins vai situar o romance dentro da vertente lírica, “a descoberta de um novo mundo psicológico, (…) essa espécie de aventura, de exploração através de terrenos até então inexplorados das paixões humanas”, selecionando como exemplar a literatura produzida por Proust, James Joyce e Virginia Woolf.
E a obra da aventura poética e psicológica, mais do que qualquer outra, é o moderno romance inglês, no qual se encontram algumas escritoras como figuras das mais representativas. E a união do lirismo com o realismo, do sentimento poético com a capacidade de observação – é que retira do moderno romance poético a sua tendência para o pieguismo e para a visão cor de rosa da vida. (…) Não há contradição entre o lirismo e a visão aguda do mundo, uma visão que, às vezes, chega a ser pungente e cruel. Um exemplo deste efeito surpreendente, surgido na ficção pelo entrelaçamento do lirismo com o realismo, está na obra de Virginia Woolf.
E dentro dessa tradição, “Não tenho receio em afirmar, no entanto”, diz o crítico, “que o livro da sra. Clarisse Lispector (sic) é a primeira experiência definida que se faz no Brasil do moderno romance lírico”, conjugando a técnica do autor de Ulisses com o “temperamento feminino”.
Embora reconheça que Perto do coração selvagem “provoca desde logo uma surpresa perturbadora. A surpresa das coisas que são realmente novas e originais”, Lins termina o artigo dando o romance como incompleto, “cheio de imagens, mas sem unidade íntima. Aqui estão pedaços de um grande romance, mas não o grande romance que a autora, sem dúvida, poderá escrever mais tarde”.
Clarice, recém-casada e morando em Belém, escreve à irmã Tânia Kaufmann, em 16 de fevereiro – isto é, cinco dias depois da publicação deste artigo: “As críticas não me fazem bem. A do Álvaro Lins (…) me abateu e isso foi bom de certo modo. Escrevi para ele dizendo que não conhecia Joyce nem Virginia Woolf nem Proust quando fiz o livro, porque o diabo do homem só faltou me chamar ‘representante comercial’ deles”. Mas a carta um tanto aborrecida não foi, afinal, enviada.
Com ânimos menos exaltados, a própria Clarice revê a crítica e diz em nova missiva do dia 23: “eu não escrevi ao Álvaro Lins dizendo aquilo sobre o romance não ser o ‘meu romance’ porque não interpretei a crítica dele assim”.
A essa altura, porém, não sabiam, nem Álvaro Lins, nem Clarice, que em outubro daquele mesmo ano Perto do coração selvagem receberia o prêmio Graça Aranha, cujo principal critério de escolha era por livros de estreia “com acentuado caráter de originalidade”.
A Fundação já tinha prestigiado as estreias de Rachel de Queiroz, Erico Verissimo, Jorge de Lima, Murilo Mendes, dentre outros. Mais à frente, na coluna “Livros do dia – dois minutos no país das letras”, entre várias pequenas notícias literárias, um destaque quase profético assinado por um desconhecido J.B.: “(…) A Fundação Graça Aranha concede o prêmio tão ambicionado à maior estreia feminina de todos os tempos na literatura brasileira. Clarice Lispector, autora de Perto do coração selvagem, com o seu livro belo, é laureada, e nunca houve tanta justiça na concessão de um prêmio literário”.
Correio para mulheres, organizado por Aparecida Maria Nunes, reúne textos de Clarice Lispector para o público feminino, escritos em três momentos distintos da carreira da escritora.
Existe um aspecto dos escritos claricianos que é – parece-nos – menos observado. Trata-se da sensibilidade social e política da escritora. [...] Clarice deixa perceber em seus escritos – romances, crônicas ou contos – uma verdadeira abertura ao outro e sua diferença e sobretudo sua vulnerabilidade.
Mais ou menos fantásticas em seus enredos, essas histórias infantis revelam narradoras que, despidas quase por completo da instância ficcional, em muito se assemelham à autora: são mães, escritoras, assinam “C.L.” ou até mesmo dizem se chamar Clarice. Assim, se há nessas narradoras uma postura horizontal em que se pressupõe o respeito às particularidades da infância, nesse mesmo movimento flagra-se também o desejo de se tornar um pouco mais criança.
Em um livro pequeno, vasto e reluzente chamado Três degraus na escada da escrita, de Hélène Cixous (1993), a autora é levada a três escolas por escritores que ama: a Escola dos Mortos, a dos Sonhos e a das Raízes. Um dos livros que transportam Cixous para a Escola dos Sonhos é o segundo romance publicado de Clarice Lispector, O lustre.