O Rio de Clarice Lispector

IMS, Equipe. O Rio de Clarice Lispector. IMS Clarice Lispector, 2023. Disponível em: https://site.claricelispector.ims.com.br/2023/12/09/rio-de-clarice-lispector/. Acesso em: 13 dezembro 2025.

Clarice Lispector passou a infância em Recife, mas aos 15 anos se mudou com o pai e as duas irmãs para o Rio de Janeiro. Foi na então capital federal que a escritora viveu a juventude e o início da vida adulta: concluiu o ensino médio, se formou na faculdade de direito, teve as primeiras experiências profissionais na imprensa, se casou e, em 1943, lançou seu primeiro livro Perto do coração selvagem.

Seguiu-se uma longa temporada – 16 anos – sem residência fixa na cidade. Acompanhando o marido diplomata, Maury Gurgel Valente, viveu em Belém, Nápoles, Berna, Torquay e Washington. Em 1959, recém-divorciada e com dois filhos, Clarice retornou ao Rio de Janeiro, onde viveria, até o fim da vida, no bairro do Leme. No total, foram 28 anos vivendo na cidade. 

A biógrafa Teresa Montero mapeou os lugares frequentados pela escritora e por seus personagens e há 11 anos criou um passeio guiado pelo Rio, no qual entrelaça histórias da vida e da obra da autora de Laços de família.

Foi em São Cristóvão, por exemplo, na célebre Feira dos Nordestinos, frequentada por Clarice para comprar melado de cana e beiju, que a escritora flagrou o olhar de sua personagem Macabéa, de A hora da estrela. Em outro bairro, o Jardim Botânico, Ana, protagonista do conto “Amor”, após a visão de um cego mascando chiclete, desce abruptamente do ônibus para se perder na vastidão vegetal do parque, passando por uma experiência existencial transformadora. 

Em 2018, o roteiro elaborado por Teresa Montero se transformou em livro, O Rio de Clarice: passeio afetivo pela cidade, publicado pela editora Autêntica. 

A partir dele, a Coordenadoria de Literatura do Instituto Moreira Salles criou o vídeo média-metragem O Rio de Clarice Lispector para celebrar o nascimento da grande escritora no próximo dia 10 de dezembro. 

É a própria Teresa Montero que guia o passeio, dando informações biográficas e lendo trechos de contos, crônicas, cartas e romances que localizam Clarice e seus personagens em lugares como Jardim Botânico, Parque da Tijuca, Feira de São Cristóvão e Leme. Trata-se de um percurso íntimo, revelador de cenários que convocam a emoção. Biografia e ficção cruzam-se na paisagem carioca e o que era cenário transforma-se em “personagem”.

Lá estão, por exemplo, o restaurante onde Lori e Ulisses, de Uma aprendizagem ou o Livro dos prazeres, se encontravam, bem como a área comum de um edifício que refaz concretamente passagens de A paixão segundo GH. Como se caminhasse pela cidade, o espectador reconstitui laços fundamentais que atam a vida familiar, as amizades, as experiências pessoais e o processo de criação clariceano.

O Rio de Clarice Lispector tem direção de Eucanaã Ferrraz, roteiro de Bruno Cosentino e edição de Laura Liuzzi – que vêm regularmente produzindo material audiovisual para o site dedicado à escritora mantido pelo Instituto Moreira Salles (claricelispector.ims.com.br).

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O projeto “Hora de Clarice” foi lançado em 2011 pelo IMS com a proposta de fazer com que a data de nascimento da autora seja comemorada e faça parte do calendário cultural do Brasil e de outros países. Todo ano, tanto a programação do Instituto quanto a das instituições parceiras ficam disponíveis no site especial do evento.

Notas

Entrevista com Claire Williams

IMS, Equipe. Entrevista com Claire Williams. IMS Clarice Lispector, 2023. Disponível em: https://site.claricelispector.ims.com.br/2023/10/19/entrevista-com-claire-williams/. Acesso em: 13 dezembro 2025.

Notas

De uma leitura, a felicidade secreta

Gert Bange, Patrick. De uma leitura, a felicidade secreta. IMS Clarice Lispector, 2023. Disponível em: https://site.claricelispector.ims.com.br/2023/09/22/de-uma-leitura-a-felicidade-secreta/. Acesso em: 13 dezembro 2025.

Em um livro pequeno, vasto e reluzente chamado Three steps on the ladder of writing, de Hélène Cixous (1993), que se pode traduzir por Três degraus na escada da escrita, a autora inventa uma escada. Ela começa escrevendo assim:1

Deixemo-nos ir à escola da escrita, onde passaremos três dias letivos nos iniciando na estranha ciência da escrita, que é uma ciência de despedidas. De reencontros.
Começa com: H
É isso que é escrever.
Eu falo com vocês hoje (hoje 24 de abril de 1990, hoje 24 de junho de 1990) em duas línguas. De um dia para outro, de uma página para outra, escrever muda as línguas. Eu pensei alguns mistérios na língua francesa que não posso pensar em inglês.
Essa perda e esse ganho são escrever também. Eu desenhei o H. Vocês o terão reconhecido dependendo de em qual língua vocês estão imersos. É isso que é escrever:
I
uma língua, I outra língua, e entre as duas, a linha que as faz vibrar; escrever forma uma passagem entre dois litorais. (CIXOUS, 1993, p. 32)

Nesse livro, Cixous é levada a três escolas por escritores que ama: a Escola dos Mortos, a dos Sonhos e a das Raízes. Um dos livros que transportam Cixous para a Escola dos Sonhos é o segundo romance publicado de Clarice Lispector, O lustre, de 1946 (1999).

Cixous se aproxima com paciência de O lustre. Ela não leu o livro inteiro, não o devorou, quando o menciona pela primeira vez, dizendo: “Eis um livro que ‘eu leio’, mas não acabei de ler” (CIXOUS, 1993, p. 58). “Eu leio”, escrito entre aspas, anuncia a problemática que pode ser assim enunciada: quando “eu leio”, o que é mesmo que lê, o que está sendo lido? A Escola dos Sonhos é esse lugar para onde descemos para sermos dançados, deixando o texto guiar. 

Cixous vai formando uma cena de leitura, marcando o que escapa. Por exemplo, o nome do livro não é evocado sem antes Cixous falar de dois lapsos freudianos. Ela esquece de trazer dois textos para a aula, A interpretação dos sonhos, de Freud, e a prosa e correspondência completas de Mandelstam. Esse esquecimento não é tomado como fora da economia da aula, mas incluída em seu texto, com a delicadeza de um “talvez”: “Talvez na Escola dos Sonhos também trabalhemos com a falta, a ausência, e a omissão” (CIXOUS, 1993, p. 58). Isso começa a configurar a leitura que Cixous faz das escritas que levam à Escola dos Sonhos: como ela dirá adiante, são aquelas que trabalham com momentos de não leitura, espaços vazios que vão compondo o tecido da leitura, e com o esquecimento, motor secreto de uma escrita que nos dirige. Ela diz:

Eis um livro que “eu leio” mas não acabei de ler. Não me esforço nem para lê-lo, nem para deixar de lê-lo. Eu o deixo ser, ele fica no quarto onde estou, frequentemente não o leio e nessas horas ele reluz obscuramente. É uma forma de ler. (É assim que chegamos à Escola dos Sonhos, fazendo um vasto desvio). (CIXOUS, 1993, p. 58)

Esse modo de ler, perpassado por uma paciência distraída, ritmo espontâneo de chegada ao livro, mostra o nascimento de uma leitura inaugural de um dos livros de Clarice. A leitura está nascendo agora mesmo. E Cixous não retira essa cena da economia da leitura, dando a ver uma espécie de jogo de sedução entre a leitora e o livro. 

O jogo se dá por uma dança com a espera, com a promessa, através de uma presença que pode se oferecer eroticamente, às vezes, quem sabe, como uma distância. Embora lá, pacientemente o livro aguarda as mãos da leitora. Ela, por sua vez, vai escrevendo, narrando não a história de dentro do livro (que aliás ela logo dirá que não conta propriamente uma história), mas os movimentos em torno dele. Esse “vasto desvio” que já é leitura. 

Esse modo fresco de ler O lustre ressoa uma outra leitura de Cixous, sobre um breve conto de Clarice, chamado “Felicidade clandestina” (1981). Trata-se daquela história da menina magra que passa por uma “tortura chinesa” (LISPECTOR, 1981, p. 8) à espera de um livro, nas mãos de uma menina gorda e sádica, até que uma mãe boa, estranhando aquela visita diária, percebe o que está acontecendo e dá o livro à menina magra “pelo tempo que eu [ela] quisesse”, ao que a narradora diz: “Entendem? Valia mais do que me dar o livro: ‘pelo tempo que eu quisesse’ é tudo que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer” (LISPECTOR, 1981, p. 8-10). Cito o conto:

Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. (LISPECTOR, 1981, p. 10, grifo nosso)

Com esse conto, Cixous escreve, no ensaio “Extrema fidelidade”:

[…] onde a felicidade não pode ser senão clandestina, será sempre clandestina, a felicidade é para si mesma seu próprio segredo, é preciso saber que não se pode ter senão se se tem um saber-ter que não destrói, que não possui, preserva.
O segredo é: lembrar-se a cada instante da graça que é ter.
Guardar no ter a leveza arquejante do esperar ter. Ter justo após não ter tido. Ter sempre em si a emoção de por pouco não tido. Pois ter é sempre um milagre. (CIXOUS, 2017, p. 148)

     Cixous reencena esse modo de ter um livro e o modo como a menina do conto se aproxima do livro, o modo como ela sabe tê-lo, como ela sabe inventar um modo de prolongar o ter o livro com o jeito com que Cixous se aproxima de O lustre, como ela também inventa um modo de prolongar essa aproximação, inventando uma cadência de aproximação que não acaba rapidamente com a entrada no livro, como a menina magra do conto de Clarice. Ela está aproveitando, com prazer, esse desvio, que já é seu modo de ler e de ter o livro de Clarice. Assim, Cixous se aproxima de O lustre cifrando esse modo de ter, transformando-o em um pão com manteiga ressoado, recitado, ressuscitado no ato de leitura. 

Fazendo da aproximação de O lustre uma felicidade também clandestina, Cixous passa para o dentro do livro. (Abria-o). Não começa pelo começo, começa por uma cena em que Virgínia, a personagem principal, se olha ao espelho pensando em “Sair dos limites de minha [sua] vida” (LISPECTOR, 1999, p. 65). Fecha o livro, fala de outros autores. Volta. Lê outra cena, com um sonho de Virgínia. Fecha-o de novo. Cixous cita sem pressa as passagens, deixa o texto se dizer, respirar, ser escutado. Escutemos, com ela, o começo do livro: 

Ela seria fluida durante toda a vida. Porém o que dominara seus contornos e os atraíra a um centro, o que a iluminara contra o mundo e lhe dera íntimo poder fora o segredo. Nunca saberia pensar nele em termos claros temendo invadir e dissolver a sua imagem. No entanto ele formara no seu interior um núcleo longínquo e vivo e jamais perdera a magia – sustentava-a na sua vaguidão insolúvel como a única realidade que para ela sempre deveria ser a perdida. (LISPECTOR, 1999, p. 9)

O livro começa, por assim dizer, dentro. E dentro de um segredo, ou seja, isso que não é acessível plenamente pela via da comunicação. O medo que existe é o da dissolução de uma imagem, sustentada pelo segredo inacessível e mágico. O que está lá, no segredo, é o que, desde já, deveria estar perdido. Acompanho Cixous, ao ler essas primeiras linhas que escreve sobre gostar de livros assim:

Essa é primeira frase do livro. Gosto de livros que começam assim. Ele começa dentro, no corpo.
Esses são livros que podem ser lidos. São livros reais. Você abre o livro e você já atravessou a fronteira. Você está no texto. Você está no mundo do texto. Você já está no outro mundo. Já há o brilho do outro país. Já estamos lá, com múltiplos sinais. Ainda assim, não entendemos nada. É assim que entramos num livro. Estamos cegos e ignorantes e gradualmente as coisas começam a se tornar mais claras. (CIXOUS, 1993, p. 82)

Então, cegos e ignorantes, somos lançados na primeira cena do romance. Nela, Virgínia, a personagem principal, e Daniel, seu irmão, avistam um chapéu num rio. Diante dele, eles supõem um afogamento e guardam o segredo entre si. Ao longo do livro, o chapéu retornará como um dos componentes da infância de Virgínia.2 Desde a primeira cena até a última, um chapéu aparece, intermitentemente. A cena continua assim:

– Olhe!
Daniel voltara a cabeça rapidamente – preso a uma pedra estava um chapéu molhado, pesado e escuro de água. O rio correndo arrastava-o com brutalidade e ele resistia. Até que perdendo a última força foi levado pela correnteza ligeira e em saltos sumiu entre espumas quase alegre. Eles hesitavam surpresos.
– Não podemos contar a ninguém, sussurrou finalmente Virgínia, a voz distante e vertiginosa.
– Sim… – mesmo Daniel se assustara e concordava… as águas continuavam correndo. – Nem que nos perguntem sobre o afog…
– Sim! quase gritou Virgínia… calaram-se com força, os olhos engrandecidos e ferozes.
– Virgínia…, disse o irmão devagar numa crueza que deixava seu rosto cheio de ângulos, vou jurar.
– Sim… meu Deus, mas sempre se jura…
Daniel pensava olhando-a e ela não movia o rosto à espera de que ele encontrasse nela a resposta.
– Por exemplo… que tudo o que a gente é… vire nada… se a gente falar disso a alguém. (LISPECTOR, 1999, p. 9-10) 

Esse é o pacto inicial entre os irmãos. Depois dele, a entrada, inclusive a nossa entrada como leitores na cena do suposto afogamento, está barrada. Cixous escreve o seguinte a propósito dos segredos iniciais do romance: “Espero que isso soe misterioso para vocês. Somos imediatamente arrastados para o centro onde está o segredo. Você quer saber qual é o segredo? Você não pode, porque é um segredo” (CIXOUS, 1993, p. 84-85). Cixous fecha o livro, não quer devorá-lo, quer que ele dure, que o querer da leitura dure. Assim, ela escuta a espera do livro que tem nas mãos:

Há algo extraordinário em nossa relação com os livros. O livro é a Porta – o Sonho do outro que não nos escapa – que nos sonha e nos espera. […] É assim que O lustre espera por mim, e eu não tenho pressa. Ele me dá tempo. (CIXOUS, 1993, p. 58)

Depois e antes de ler Clarice, Cixous já está lendo Clarice. Ela sabe, como a menina magra, tornar o livro desassombrado de sequer ter um início ou um fim, lendo-o como um lugar, aberto a todos os experimentos de escrita: “Escrever cedendo ao que se escreve: é isso o que acontece em O lustre. Esse livro não tem nem início, nem fim. É um lugar” (CIXOUS, 1993, p. 100).  E diz também:

O lustre dá tempo porque ele mesmo é forjado do tempo, ele é tão rico, grosso, tão bem manuseado [so well-thumbed] que é pura substância escrita. Não conta uma história. Ele nos faz sentir, provar, tocar a vida. Está lá como uma pessoa imóvel, eterna, completa, cuja característica infalível é produzir algo continuamente estranho: paciência, apesar de, ou com o desejo. Não terminei de ler O lustre. Estou no processo de lê-lo, e esse “no processo de” inclui passagens de não-leitura através das quais o livro continua a emitir seus raios. (CIXOUS, 1993, p. 58)

Eu achava que tinha em minha biblioteca três livros que não tinham início nem fim: Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, as Mil e uma noites e as Passagens, de Walter Benjamin. Vejo, agora, que O lustre também: sem início nem fim, um lugar, podemos ir até ele, voltar até ele, já com ele, com o que ele não cessa de nos dar como modo de leitura: ler sem que o livro cesse de emitir seus raios.

  1. Esta e as próximas passagens citadas desse livro foram traduzidas por mim.[]
  2. Proponho uma leitura do chapéu em O lustre na tese Um bolinho, um chapéu: passagem secreta entre Marcel Proust e Clarice Lispector.[]

Notas

Referências

CIXOUS, Hélène. Three steps on the ladder of writing. Trad. Sarah Cornell; Susan Sellers. New York: Columbia University Press, 1993.

______. “Extrema fidelidade”. In: A hora da estrela: edição com manuscritos e ensaios inéditos. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.

LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina: contos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

______. O lustre. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

A volta à origem como promessa de futuro

Brites, Mell. A volta à origem como promessa de futuro. IMS Clarice Lispector, 2023. Disponível em: https://site.claricelispector.ims.com.br/2023/07/13/crianca-e-origem/. Acesso em: 13 dezembro 2025.

Andrea Azulay nasceu em 1964, na cidade do Rio de Janeiro, formou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica e trabalha como corretora de imóveis na mesma cidade. Filha de Jacob David Azulay, psicanalista de Clarice Lispector, Andrea conviveu com a escritora na infância, quando tinha entre dez e doze anos. Nessa época, a garota se destacava nas aulas de língua portuguesa da escola – prova disso é que chegou a obter o segundo lugar em um concurso literário – e seu pai parecia nutrir o sonho de que se tornasse escritora. 

Benjamin Moser, biógrafo de Clarice Lispector, relembra que Jacob David Azulay, depois de duas décadas conduzindo o processo de análise da autora em sessões diárias que iam de segunda a sexta-feira, disse a ela que não mais poderia atendê-la: “Eu estava esgotado […] Clarice me exauriu mais que todos os meus clientes juntos. Os resultados eram mínimos. Eu estava muito cansado com ela e comigo. O esforço que eu fazia com ela e ela comigo era muito grande para o pouco que a gente colhia” (MOSER, 2009, p. 557). A relação transferencial psicanalista-paciente transformou-se, então, em algo próximo a uma amizade, e assim a escritora começou a frequentar a casa dos Azulay, acordo que fizeram para que não perdessem o contato – e acima de tudo para que a autora, que vivia uma fase em que se encontrava bastante fragilizada, pudesse ainda contar com algum apoio daquele que tinha sido seu grande alicerce emocional durante tantos anos. Incentivada por Jacob, Clarice passou então a ler os textos que Andrea escrevia e, segundo Lícia Manzo, autora de Era uma vez eu: a não ficção na obra de Clarice Lispector, ela imediatamente se encantou por aquela escrita pura, livre, inocente e por isso, a seu ver, extraordinária (MANZO, 1997, p. 164). Questionada pelo psicanalista se sua filha poderia se tornar escritora, Clarice teria respondido: “Ela já é uma escritora” (Ibid.).

A própria Andrea, entretanto, traz outras perspectivas para a própria história e a sua relação com a palavra:

Meu pai foi psicanalista da Clarice por mais de vinte anos. Quando tive contato com ela, a relação entre eles já era menos ortodoxa, quase uma espécie de aconselhamento. Quando fiquei adulta, meu pai me contou que ela era uma pessoa extremamente sofrida e perturbada emocionalmente. Mas brilhante, não é mesmo? Por volta dos dez anos de idade, com minhas redações escolares, fui convidada a fazer um programa de entrevistas com outras crianças de minha escola, que também se destacavam, num canal de cultura. Não lembro detalhes do programa. Com doze anos, ganhei o segundo lugar num concurso de comentários sobre um livro chamado O pássaro e a barragem […]. Concorreram vários alunos de várias escolas. Escrevia bem… nada de absurdamente fantástico como foi interpretado por meu pai. Prova disso é que não sou autora de livro algum. Fiz faculdade de Direito na PUC e realmente me destaquei… Mas não me destaquei nem me destacaria em literatura, como meu pai sonhara. O que ocorreu foi que ele mostrou meu livro de redações para a Clarice e perguntou se eu poderia vir a ser uma escritora. Ela disse que eu já era uma escritora. Mas vamos filtrar tudo isso com a ideia de que Clarice idealizava muito meu pai, pelo simples (ou não tão simples) fato de que ela tinha uma forte dependência emocional em relação a ele. Bem, tive alguns encontros com a Clarice e troquei correspondência com ela […]. Ela também compilou umas redações minhas num livrinho de dez cópias. […] Mas isso tudo pra mim resultou numa sensação desconfortável. Uma pressão de que eu teria com certeza que brilhar profissionalmente. E não foi o que aconteceu. […]. Parei totalmente de escrever por volta dos doze anos, quando meu pai me obrigou a ler um conto pra família inteira. Era muita pressão. Mas não culpo meu pai: eram ‘coisas da época’. Enfim, não me aprimorei. (AZULAY, 2023)

Na visão daquela que se tornou por fim corretora de imóveis, o seu talento era acima de tudo a projeção de seu pai e também de Clarice, que viam nos seus textos os próprios desejos e fantasias. Se Jacob lia nas suas palavras bem escolhidas e concatenadas o futuro de uma autora brilhante, Clarice talvez se reconectasse por meio daquelas mesmas linhas com o seu passado como escritora estreante. Mas fosse ou não um talento precoce, as duas passaram a se encontrar, trocar correspondência, e em 1975 a autora ajudou Andrea a transformar seus poemas e historietas em um livro caseiro, como ela própria relembra em seu depoimento. Intitulado Meus primeiros contos, o volume consiste em uma reunião de treze textos de Azulay escritos com sua caligrafia em folhas pautadas, além de uma apresentação de Clarice, também escrita a mão, e de ilustrações de Sérgio Rubens Matta, artista plástico que conheceu a autora em 1974 e nesse mesmo ano ilustrou seu livro infantil A vida íntima de Laura. Em um dos contos se lê:

O sonho
O sonho é uma montanha que o pensamento há de escalar. 
Não há sonho sem pensamento, não há primavera sem flor.
O sonho é a semente da flor.
A semente que faz brotar o amor.
Sonho é o deslizamento do nosso momento.
Não há sonho sem pensamento.
Não há primavera sem flor.
Por isto ofereço esse sonho, mãe, com todo o amor.

(AZULAY, material não editado)

Na coletânea, há outros textos como esse, escritos em versos, às vezes rimados, com ritmo marcado, e também narrativas em prosa. Os temas giram em torno da beleza da natureza (os pássaros, o mar, as flores), da força do amor e do amor à mãe. Aparentemente de inspiração romântica difusa, tanto pelos motivos quanto pela forma que busca emular, suas histórias se apresentam como uma saudação à vida e aos elementos naturais que estão presentes no cotidiano. É curioso que a menina tenha escrito um texto chamado “A rosa branca” – também título de uma narrativa de Clarice: 

Num dia uma semente se rompeu, e dela, uma rosa branca nasceu.
Seja ela como for,
Combate o ódio e a dor.
Ha, flor! Você é meu símbolo do amor!
Ela é uma flor que trouxe a bonança,
A flor que traz esperança.
Esta, é uma rosa branca
Uma rosa branca e franca
A flor que traz esperança,
Uma rosa criança,
Uma rosa branca,
A ROSA BRANCA

(AZULAY, material não editado)

Como se nota, para a garota de dez ou onze anos, cuja experiência literária é ainda incipiente, escrever significa expressar seus “nobres” sentimentos diante do encanto do que é vivo. A “Rosa branca” de Clarice, por sua vez, é descrita por um narrador que, diante do encontro com a flor, opõe a existência sublime desta à sua precária natureza humana: “Pétala alta: que extrema superfície. Catedral de vidro, superfície da superfície, inatingível pela voz. Pelo teu talo duas vozes à terceira e à quinta e à nona se unem – crianças sábias abrem bocas de manhã e entoam espírito, espírito, superfície, espírito, superfície intocável de uma rosa. Estendo a mão esquerda que é mais fraca, mão escura que logo recolho sorrindo de pudor. Não te posso tocar. Teu novo entendimento de gelo e glória meu rude pensamento quer cantar.” (LISPECTOR, 1999a, p. 66)

Ainda que nitidamente distantes na forma e no conteúdo, considerando até mesmo o apelo sensual que carrega a rosa de Clarice, há algo que parece unir os dois universos. Andrea canta a força da natureza tanto quanto Clarice, e as duas autoras/ narradoras, dadas as particularidades de uma criança em seus primeiros exercícios com a palavra e de uma mulher madura cujo ofício de escrever está já consolidado, se posicionam em relação aos seres da natureza como se estivessem diante do sublime: “Alço-me até atingir minha própria aparência. Empalideço nessa região assustada e fina, quase alcanço tua superfície divina…” (Ibid.), diz o texto de Clarice. Nesse sentido, a autora que esteve sempre à procura da aproximação e da revelação do sagrado, e que o buscava na massa informe da barata, na perfeição do ovo, nas coisas inanimadas, nos animais que “apenas são” e no coração selvagem do humano soterrado pela racionalidade possivelmente enxergava no texto de Andrea alguma ressonância. Em outra historieta intitulada “Obrigado Deus”, a menina diz: “Obrigado por ter nos dado a chance de procurarmos o amor que existe. Enfim por termos descoberto a coisa mais linda que fizestes. A natureza, o nascimento, enfim o mundo” (AZULAY, material não editado). Azulay, com sua juventude, espontaneidade e desprendimento para escrever, parecia significar ela própria um contato com esse terreno primordial, quase divino, que Clarice incessantemente procurava.  

Em cartas, ela dava à garota conselhos sobre sua escrita, sobre a profissão de escritor e, como não poderia deixar de ser, sobre a vida de modo geral:

À bela princesa Andrea de Azulay,

[…] Você precisa saber que já é uma escritora. Mas nem ligue, faça de conta que nem é. Eu lhe desejo que você seja conhecida e admirada só por um grupo delicado embora grande de pessoas espalhadas pelo mundo. Desejo-lhe que nunca atinja a cruel popularidade porque esta é ruim e invade a intimidade sagrada do coração da gente. Escreva sobre ovo que dá certo. Dá certo também escrever sobre estrela. E sobre a quentura que os bichos dão a gente. Cerque-se da proteção divina e humana, tenha sempre pai e mãe – escreva o que quiser sem ligar para ninguém. Você me entendeu? (apud MANZO, 1997, p. 165).

Em outra, diz:

Andrea de Azulay, que é minha filha espiritual,

[…] Sugestões para escrever: você não precisa de nada, já sabe quase tudo. Mas vou lhe dar umas ideias: – Não descuide da pontuação. Pontuação é a respiração da frase. Uma vírgula pode cortar o fôlego. É melhor não abusar de vírgulas. O ponto de interrogação e o de exclamação use-os quando precisar: são válidos. Cuidado com reticências: só as empregue em caso raro. Como depois de um suspiro. Quanto ao ponto e vírgula, ele é um osso atravessado na garganta da frase. Uma amiga minha, com quem falei a respeito da pontuação, acrescentou que ponto e vírgula é o soluço da frase. O travessão é muito bom para a gente se apoiar nele. Agora esqueça tudo que eu disse. […]

Quando você fizer sucesso fique contentinha mas não contentona. É preciso ter sempre uma simples humildade, tanto na vida quanto na literatura (Ibid., p. 169).

É curioso perceber que o modo carinhoso como Clarice se comunicava com Andrea remete às narradoras encontradas em seus livros infantis. Em A mulher que matou os peixes, de 1968, se lê: “Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu. Mas juro a vocês que foi sem querer. […] Dou minha palavra de honra que sou pessoa de confiança e meu coração é doce: perto de mim nunca deixo criança nem bicho sofrer.” (LISPECTOR, 1983a, p. 3); “Se vocês gostam de escrever ou desenhar ou dançar ou cantar, façam porque é ótimo: enquanto a gente brinca assim, não se sente sozinha, e fica de coração quente” (Ibid., p.12).

Nesse livro, o segundo que lançou mirando o público infantil, a narradora em primeira pessoa se coloca como mãe e escritora, se nomeia Clarice e busca convencer os leitores de que matou os dois peixes de seus filhos por acidente, tomada pelo excesso de trabalho. Em meio aos seus relatos sobre os animais com os quais se relacionou ao longo da vida, ela traz à tona temas como perda, saudade, vingança, e em tom de diálogo divide com a criança suas reflexões. A partir da sua posição de experiência, a narradora aconselha o leitor, mas – e essa é possivelmente a marca mais significativa de sua obra para a infância – considera-o um interlocutor tão capaz quanto qualquer adulto. Marisa Lajolo e Regina Zilberman, em Literatura infantil brasileira: história e histórias, afirmam que entre as décadas de 1960 e 1970 os textos para a infância vinham, finalmente, se desprendendo do moralismo e pedagogismo excessivos que até então haviam dominado a literatura para crianças no país, e é justamente nesse período que Clarice Lispector, por meio de suas narradoras, trava com os leitores uma relação horizontalizada, em que não esconde as próprias limitações (LAJOLO; ZILBERMAN, 1985). Sem traços de condescendência, então, A mulher que matou os peixes trata de temas considerados tabus, ao mesmo tempo que acolhe o interlocutor em suas dificuldades.

Ainda no mesmo livro lemos: “Mas se eu jurar por Deus que tudo o que contei neste livro é verdade, vocês acreditam? Pois juro por Deus que tudo o que contei é a pura verdade e aconteceu mesmo. Eu tenho respeito por meninos e meninas e por isso não engano nenhum deles” (LISPECTOR, 1983a, p. 28). Depreende-se, então, não só que crianças e adultos são considerados igualmente capazes, mas também que as primeiras detêm qualidades próprias que se mostram valiosas para a narradora, como sua capacidade de serem verdadeiras. Outra característica que ganha destaque é a vocação das crianças para fabular: “Puxa […], acabo de cheirar uma ideia tão boa que até parece ideia de menino!” (LISPECTOR, 1999b, p. 12). Não à toa, ela diz a Andrea: “Você precisa saber que já é uma escritora. Mas nem ligue, faça de conta que nem é”, ou “você não precisa de nada, já sabe quase tudo”.

Em O mistério do coelho pensante, livro escrito a pedido de Paulo, filho da escritora, e publicado em 1964, o enredo se desenvolve em torno de um coelho aparentemente igual a todos os outros de sua espécie, mas que descobre uma forma de fugir de sua gaiola e assim passa a ir e voltar de sua morada sempre que tem vontade. A narradora, que forja o mesmo tom coloquial e o ambiente de diálogo de A mulher que matou os peixes, deixa aqui o enigma em aberto e entrega-o aos leitores – só eles parecem capazes de resolvê-lo, com o auxílio de sua imaginação. No texto “A brincadeira é”, de Azulay, encontramos o mesmo recurso ao lúdico, quando a garota demonstra consciência da força da invenção em sua vida de menina: “A brincadeira é o meu tempo de criança, que só me trouxe a esperança. É o meu tempo de alegria de amor e fantazia [sic]” (AZULAY, material não editado). 

O exercício de fabulação passa a ganhar tons de nonsense em A vida íntima de Laura, e na obra póstuma Quase de verdade assume o quadro geral da narrativa. Na história de Laura, publicada em 1974 e cuja epígrafe é curiosamente um poema de Andrea, a protagonista é uma galinha e vive como qualquer outra: mora no galinheiro, é casada com o galo Luís e toca seus dias sem grandes sobressaltos; come, bota ovos, cisca. O ritmo da narrativa é, assim como a vida de Laura, bastante pacato, sem a presença de grandes acontecimentos no enredo. O momento fantástico e de maior movimento na história – se dá quando, durante a noite, um extraterrestre aparece no galinheiro para conversar com Laura e lhe garante que não será comida, apesar de já estar ficando velha e de se sentir na mira da dona do galinheiro. Eles têm um diálogo, em seguida o extraterrestre vai embora e a história termina com a frase: “Laura é bem vivinha”. 

Ovos e galinhas se constituem em grandes obsessões da autora e aparecem sob variadas perspectivas ao longo de toda a sua obra. Mas na maioria de seus textos voltados ao público adulto as galinhas, ainda que despertem o fascínio de Clarice, cumprem o seu destino de “galinha de domingo”. É interessante notar, nesse sentido, que só na sua obra infantil outra saída se faz possível, e é no terreno da fantasia, o espaço da infância por excelência, que Laura acaba sendo salva por um extraterrestre. Quase de verdade, de 1978, é ditada desde o início pela lógica nonsense e carnavalesca, em que convivem referências que vão da Bíblia a Monteiro Lobato, de Homero às fábulas de Esopo. Essa história alegórica é narrada por Ulisses, que se apresenta aos leitores como o cachorro de Clarice e cujos latidos serão traduzidos em palavras pela sua dona. De todos os seus livros para crianças, esse é o único que contém um enredo linear e um conflito estabelecido: também em um galinheiro, uma figueira invejosa que vive ali resolve manipular as galinhas para obter lucro com o seu trabalho. Então, com a ajuda de uma bruxa, consegue uma forma de iluminar a si mesma durante a noite, fazendo com que as galinhas pensem que está dia e que, portanto, devem botar ovos. Elas passam a produzir ovos incessantemente, até que descobrem que estão sendo vítimas de um plano maligno, se revoltam, enfrentam a figueira má e a paz retorna ao ambiente.

Mais ou menos fantásticas em seus enredos, essas histórias infantis revelam narradoras que, despidas quase por completo da instância ficcional, em muito se assemelham à autora: são mães, escritoras, assinam “C.L.” ou até mesmo dizem se chamar Clarice. Além disso, por meio da estrutura narrativa em forma de diálogo, se aproximam do leitor e se permitem exercitar a imaginação. Assim, se há nessas narradoras uma postura horizontal em que se pressupõe o respeito às particularidades da infância, nesse mesmo movimento se flagra também o desejo de se tornar um pouco mais criança. Olga Borelli diz, em depoimento a Lícia Manzo: “Clarice ficava encantada com a inocência e inteligência de Andrea. Penso que o contato com crianças e animais de um modo geral a revigorava e enternecia simultaneamente”. (MANZO, 1997, p. 168-9)

A aproximação com a infância, em sua obra e fora dela, foi se tornando cada vez mais constante nos últimos anos de vida da escritora, justamente quando conheceu Andrea, à medida que ela própria envelhecia e se via com limitações tanto físicas como em relação àquilo que buscava através do exercício de escrever. O utópico encontro com o “de dentro”, perseguido desde o seu primeiro livro, parecia ter chegado a um paradoxo, a partir da percepção de que as palavras estariam sempre a serviço da razão e dessa maneira nunca a levariam ao seu objetivo. É nesse período que Clarice diz: “E eu, só me resta latir para Deus” (LISPECTOR, 1991, p. 45) – e também é desse mesmo momento a chegada de Ulisses, o icônico cachorro que narra o último livro infantil que escreveu. “Ulisses se tornaria para Clarice um fiel companheiro de todas as horas, aparecendo em praticamente todos os seus livros dali por diante. Andrea seria também uma referência importante e Clarice chegaria mesmo a usar um de seus poemas como epígrafe num de seus futuros livros”, diz Lícia Manzo (MANZO, 1997, p. 169).Não parece ser coincidência, então, o fato de que foi na última década de sua vida que a autora escreveu a maior parte de seus livros para crianças, assim como os contos para o público adulto em que rememora sua infância no Recife. Rodeada das personagens de seus textos memorialísticos, de seus filhos, Ulisses, galinhas, leitores de sua obra infantil e Andrea Azulay, Clarice talvez se sentisse ao menos tateando aquele terreno inalcançável em que o “só ser” se sobrepunha à razão. E o brilho de Andrea, dessa forma, se mostrava precisamente na sua proximidade com um universo menos dependente da lógica racional e mais afeito à liberdade criativa, menos apegado às regras sociais e mais conectado às necessidades primordiais – assim como os interlocutores crianças de suas histórias infantis. Aquela garota iniciante na carreira significava para a escritora experiente um encontro radical de alteridade. Ao contrário do que pensa Andrea hoje, ao dizer que a simpatia de Clarice por ela não era mais que “uma grande idealização” da escritora pelo seu pai, aquela criança, espontânea e talentosa com as palavras, era para Clarice uma possibilidade preciosa de começar de novo; voltar à sua origem e recuperar o sentido do seu ofício: fabular sem amarras. Afinal, ela própria chegou a dizer que “Antes de aprender a ler eu já fabulava” (MOSER, 2009, p. 104). E para quem, senão para si mesma, estaria desejando “que nunca atinja a cruel popularidade porque esta é ruim e invade a intimidade sagrada do coração da gente”, ou dizendo que “É preciso ter sempre uma simples humildade, tanto na vida quanto na literatura”? Ao afirmar, em crônica publicada no Jornal do Brasil, que “nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais” (LISPECTOR, 1999c, p. 459), a autora reforça o seu compromisso com a origem sagrada, mesmo que inalcançável, e com a própria história. E a relação com Andrea Azulay não significou outra coisa senão os seus votos renovados, talvez pela última vez, com a escrita como modo de vida.

Referências

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história e histórias. São Paulo: Ática, 1985.

LISPECTOR, Clarice. A mulher que matou os peixes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983a.

______. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Rocco, 1999a.

______. O mistério do coelho pensante. Rio de Janeiro: Rocco, 1999b.

______. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999c.

______. Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.

MANZO, Lícia. Era uma vez eu: a não ficção na obra de Clarice Lispector. Curitiba: Secretaria do Estado da Cultura, 1997.

MOSER, Benjamin. Clarice,. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

Notas

Ulisses Lispector: um retrato

IMS, Equipe. Ulisses Lispector: um retrato. IMS Clarice Lispector, 2023. Disponível em: https://site.claricelispector.ims.com.br/2023/04/26/ulisses-lispector-um-retrato/. Acesso em: 13 dezembro 2025.

O filme retrata o célebre Ulisses, cachorro de Clarice Lispector e personagem de destaque em sua vida e ficção. 

Ele está presente no romance póstumo Um sopro de vida, é o narrador do livro infantil Quase de verdade, foi citado em inúmeras crônicas e hoje está imortalizado, ao lado de sua dona, em uma estátua de bronze na amurada da praia do Leme, no Rio de Janeiro. 

Ulisses também foi fotografado fumando guimbas de cigarros durante a entrevista concedida por Clarice ao semanário O Pasquim, cujos bastidores são contados em detalhes pelo editor Sérgio Augusto, que, à época, participou do encontro, ocorrido no apartamento da escritora.

Em torno do personagem principal, outros temas também são abordados, como a relação íntima de Clarice com a natureza irracional dos bichos e a escrita autoficcional; além de uma análise do conto “O crime do professor de matemática”, pelo escritor Evando Nascimento.

Notas

Infância em Clarice

IMS, Equipe. Infância em Clarice. IMS Clarice Lispector, 2023. Disponível em: https://site.claricelispector.ims.com.br/2023/01/23/infancia-em-clarice/. Acesso em: 13 dezembro 2025.

Nesta vídeo-aula, Mell Brites, autora do livro As Crianças de Clarice: Narrativas da Infância e Outras Revelações, aborda o tema da infância na literatura de Clarice Lispector, tanto em seus livros infantis como naqueles voltados para o público adulto.

Notas